O método terapêutico criado por S. Freud chamado psicanálise vem há anos teorizando a vivência e o comportamento humano. Como investiga a psique do indivíduo independente da Psicologia, o campo consegue avaliar com detalhes a personalidade individual, facilitando a compreensão da ética, moralidade e da cultura humana num todo.
Uma psicoterapeuta muito famosa é a austríaca Melanie Klein. Classificada como pós-freudiana, Melanie foi uma das autoras que mais contribuíram para o entendimento do funcionamento psíquico inconsciente, influenciando inclusive vários outros autores através de seus renomados trabalhos. Porém, não foi apenas doutores e psicanalistas a serem influenciados por suas ousadas teorias, mais sim músicos, como no caso da banda paulista Melanie Klain.
Fundada em 2007 na cidade de Mococa, o grupo batizou a banda com o nome da psicanalista (com uma pequena modificação no sobrenome da doutora de Klein para Klain), por identificarem-se tanto por seus trabalhos quanto por sua postura na vida, já que mesmo com muitas dificuldades e empecilhos físicos e psicológicos Melanie Klein nunca desistiu de ser psicanalista, tornando-se uma das mais respeitadas inclusive.
Com esse nome sugestivo e letras por deveras conscientes e críticas, o primeiro trabalho do grupo não poderia ter um título melhor: “Análise do Caos”. O debut lançado em 13 de julho de 2016 (dia mundial do Rock), é carregado de temas pesados e uma ideologia firme que não dá brechas ao comodismo, analisando o caos de nossa sociedade através de músicas instigantes e bem gravadas.
O capricho do trabalho começa logo pela inteligente arte gráfica. Se reparar na capa do disco verá uma pasta no banco do carro com a frase “análise do caos”, que inclusive apresenta o nome do álbum. Quando se abre o encarte é como se abrisse essa pasta, e lá dentro podemos ter acesso a uma análise que descreve nossa sociedade através da corrupção, guerra, abandono e revolta, além de descrever os mecanismos que nos leva a esse abismo físico e interno, como a televisão religião e redes sociais.
O mais incrível é que em meio as imagens e as letras das músicas a banda escondeu algumas mensagens através de frases invertidas, criptografias, coordenadas de latitude e longitude além de códigos binários e Morse. Junto a essa resenha vou desvendar cada uma destas mensagens na sequência exata que as mesmas são apresentadas junto as composições do trabalho.
Vamos lá:
“Abençoados Por Deus”
(Os políticos são reflexo da população)
Após uma intro nos modos circenses chamada “desrespeitável público”, onde o apresentador do espetáculo descreve a alienação do povo brasileiro, inicia-se a marcante “Abençoados Por Deus”. De forma crítica a faixa resenha nosso país coberto de corrupção e hipocrisia, citando de forma peculiar os abusos do descobrimento do país. A ideia é mostrar a dualidade que vivemos, já que geologicamente somos abençoados por Deus, porém, escravos da corrupção.
Musicalmente a faixa é impecável já que consegue transpassar a ideia proposta com bastante força. O clima me lembrou em alguns momentos o “Titanomaquina”, dos Titãs, porém com mais peso e com muito mais atitude. Aos quatro minutos e 29, o ritmo da faixa muda e traz um instrumental lindo com um excelente baixo que desenha de forma límpida frases que são finalizadas com ótimos harmônicos. No encarte, entre a letra de “Abençoados Por Deus”, podemos encontrar uma digital coberta de sangue, a digital é uma referência de que ” os políticos são a nossa identidade” já que somos nós que os colocamos no poder.
“Diálogo”
(Acho que esse álbum foi feito isso, pra expor um pouco essas ideias)
Em “Diálogo”, a Melanie Klain analisa o sistema mostrando a impossível comunicação entre o povo e o mecanismo que controla a sociedade. Sem papas na língua, a faixa não tem medo de expressar os motivos que geram as mentiras que acabam se tornando a solução para nossos problemas. Com algumas mudanças rítmicas a música tem uma pegada alá Sistem of A Down que te impossibilita ficar parado.
“Diálogo” traz no encarte uma mensagem em código binário que decodificada apresenta a seguinte frase: “Não seja um filho da puta”.
“Fé Cega”
(Nós lutamos tanto, a vida inteira, que parece que no final das contas a gente não fez praticamente nada)
“Até onde vai a ganância do homem? Eu vejo a fé cega matando o livre arbítrio que o seu próprio Deus lhe concedeu”. Assim inicia- se “Fé Cega”, que discorre de forma consciente sobre as religiões organizadas que vendem a salvação, afinal de contas, a fé é em nome de quem?
A faixa traz alguns trechos bíblicos como o salmos 22 e filipenses 4:13, por exemplo. No encarte, podemos encontrar em números romanos a latitude e longitude de Mococa, XXI° XXVIII ‘nIV”S XLVII° nn’ XVII” W (latitude 21º28’04” sul e longitude 47º00’17” oeste), no caso a letra “N” representa o número zero.
É interessante essa coordenada estar presente na página de “Fé Cega”, já que o município pertence à Diocese de São João da Boa Vista e tem uma visão conservadora em respeito a religião.
“Guerra”
(A corrupção começa quando nós mesmos deixamos de fazer o básico em nossas vidas, que é respeitar o direito do próximo)
A guerra existe de várias formas e usa armas diversas que vão desde bombas de extermínio massivo até o controle psicológico através do suborno e da alienação. A quinta faixa da análise do caos descreve essas guerras de forma crua e pesada, despejando de forma ácida questionamentos relevantes.
No encarte podemos encontrar uma imagem em código Morse que traz a seguinte frase:
“Mas se não há justiça não pode haver lei”
Segundo o vocalista Duzinho, a frase estará presente numa música do próximo disco da banda, a faixa será sobre a ditadura militar.
“Marcas do Abandono”
De forma introspectiva e triste “Marcas do Abandono” se inicia no formato acústico, resenhando a rejeição e a solidão de forma consciente e realista. A faixa tem vários momentos climáticos que por fim acabam abraçando um peso dosado com bastante feeling.
Para complementar o contexto da faixa, no encarte podemos encontrar uma frase invertida e cortada pela metade que diz: “eu morri amando cada um de vocês”.
“Rede Social”
Um dos grandes embaraços da atualidade é o uso indevido das redes sociais. Ali, de forma muitas vezes deturpada, encontramos todo tipo de alienação desde política a religiosa. Tudo é muito deturpado e movido a aparência transformando ideologias coerentes em modinhas fúteis. Essa ideia foi muito bem pintada pela Melanie Klain em “Rede Social”, que através de quatro minutos e 29 segundos conseguiu expressar com bastante ênfase essa visão.
No encarte, logo após a letra da música, podemos encontrar um QRCODE que funciona mesmo, além de criptografias presentes no lado de cada foto dos membros da banda. Essas criptografias revelam os verdadeiros nomes dos músicos.
“Analise do Caos”
(Não adianta ficar reclamando que político é ladrão)
Para finalizar a leitura da análise do caos, nos deparamos com a incrível faixa autointitulada. A música é uma porrada que entre “aspas” propõe que a culpa da situação precária de nosso país muitas vezes parte de nós mesmos, já que somos acomodados e desprovidos de senso crítico.
O legal na imagem do encarte é que no fim da letra aparece um borrão, como se a tinta da impressora tivesse acabado. E, para finalizar, incluíram uma folha de caderno com o restante da letra escrita à mão e com caneta.
De forma criativa, a Melanie Klain conseguiu resgatar aquela velha atitude rockeira de outrora, transmitindo através de excelentes composições ideias fortes e polêmicas. Faixas como “Lavagem Cerebral” e “Cartas de Um Suicida” são realidades que muitos ignoram porém são vistas com muita facilidade em nossa sociedade atual.
Para finalizar, vou destacar aqui o desfecho do álbum chamado “Reflexão”, que usa algumas frases avulsas contidas no encarte, como recortes de caderno, para resumir e tentar abrir os olhos do ouvinte sobre o que acabaram de ouvir.
Altamente recomendado.
Formação:
Duzinho (vocal/guitarras);
Chapolim (vocal/guitarras);
Viola (guitarras);
Vick (baixo);
Pedro (bateria).
Duzinho (vocal/guitarras);
Chapolim (vocal/guitarras);
Viola (guitarras);
Vick (baixo);
Pedro (bateria).
Faixas:
01 – Intro
02 – Abençoados Por Deus
03 – Diálogo
04 – Fé Cega
05 – Guerra
06 – Marcas do Abandono
07 – Lavagem Cerebral
08 – Cartas de Um Suicida
09 – Cólera/Nação
10 – Rede Social
11 – Análise do Caos
12 – Reflexão
01 – Intro
02 – Abençoados Por Deus
03 – Diálogo
04 – Fé Cega
05 – Guerra
06 – Marcas do Abandono
07 – Lavagem Cerebral
08 – Cartas de Um Suicida
09 – Cólera/Nação
10 – Rede Social
11 – Análise do Caos
12 – Reflexão
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