domingo, 19 de maio de 2019

Black Metal – A política do Black Metal Norueguês


Introdução
Após o recente lançamento do filme “Lords of chaos” (que conta os acontecimentos ocorridos nos anos 90 com a chamada “segunda onda do Black Metal” que envolveu queima de igrejas e assassinatos), muitos voltaram a debater sobre os reais motivos pelo qual Varg Vikernes (Burzum) teria assassinado seu “amigo” Euronymous (Mayhem).
Um fato pouco mencionado é o lado político envolvido no meio do Black Metal norueguês, fato este que em minha opinião foi uns dos principais motivos pelo qual tudo tenha acontecido como o registrado. Para darmos prosseguimento a este ponto de vista, primeiro vou resumir a origem do Black Metal norueguês e apresentar para quem ainda não conhece os criadores deste estilo ímpar.
Os primórdios do Black Metal
Quando Aleister Crowley disse: “Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei”. Não imaginou que o hedonismo proposto seria usado por conservadores para chamar de satanistas aqueles que pregavam a liberdade. O Rock é um dos exemplos. A velha máxima “sexo, drogas e Rock N’ Roll” tornou-se uma afronta aos preceitos religiosos e logo ligada ao satanismo devido uma aparente individualidade.
Claro que os argumentos da igreja em relação ao tema são mais profundos, porém a meu ver errôneos. Sabemos que o aspecto libertário, rebelde e contestador se deve apenas a uma forma simbólica que o Rock usa contra padrões impostos. Porém quando o ocultismo passou a fazer parte do enredo lírico de discos e músicas a Igreja logo sentenciou: “O Rock é coisa do Diabo”!
Essa estigma tornou-se tão forte (e rentável), que algumas bandas passaram a adotar abertamente temas satânicos, anticristãos e pagãos em suas letras e temas visuais. Desta forma, tanto musicalmente quanto ideologicamente, muitas bandas lutavam para ser a mais sombria, cru e agressiva, levando vários a uma competição de insanidades, dando origem a estilos mais extremos como o Thrash Metal e o Death metal.
Durante os anos de 1980, um enumerado de bandas de Thrash e Death Metal formaram o alicerce do que viria a ser o Black Metal. Essa chamada “primeira onda do Black Metal” trouxe bandas como Hellhammer, Bathory, Celtic Frost, Mercyful Fate e Venon. 
O termo “Black Metal” foi retirado de um álbum dos ingleses do Venon lançado em 1982, intitulado “Black Metal”. Mesmo o álbum soando mais “Heavy/thrash” o disco fugia dos padrões apresentando temas mais focados no anticristianismo e no satanismo, diferente do que muitos músicos faziam na época. Outra contribuição importante do Venon foi o fato dos membros da banda adotarem pseudônimos, prática que se tornou praticamente lei dentro do Black Metal.
O estilo teve um grande e rápido crescimento, fazendo com que um importante nome do Black Metal mundial surgisse para mudar o estilo para sempre, seu nome: Øystein Aarseth, mais conhecido como Euronymous.

Segunda geração do Black Metal (O Black Metal Norueguês)
Após longos estudos não tem como negar o fato que a Noruega foi sim responsável pela popularidade, estigma e criação do que conhecemos hoje como verdadeiro Black Metal.
 A cena norueguesa era profundamente anticristã e tentava apagar o cristianismo e outras religiões não-escandinavas de sua cultura. Para isso os músicos não usavam apenas sua arte, mas sim atitudes violentas. A banda mais importante para o surgimento deste movimento (a meu ver) foi o “Mayhem”, tanto por sua inovação musical quanto por seus importantes integrantes.
O “Mayhem” foi fundado em 1984 em Oslo, Noruega, pelo já citado guitarrista Euronymous, o baixista Necrobutcher e o baterista Manheim e influenciou fortemente todo o Black Metal sendo fundamental para a evolução do metal extremo mundial.

Podemos definir algumas bandas como propulsores do que se tornou a segunda geração do Black Metal. A musicalidade podemos dizer que nasceu com a Tormentor (Hungria), a estética veio do Bathory (Suécia), o nome do Venon (Reino unido), e a atitude surgiu aqui em terras tupiniquins com o Sarcofago. Juntando tudo isso mais o modo inovador de tocar guitarra desenvolvido por Euronymous, no qual ele tocava acordes completos usando todas as cordas da guitarra ao invés de power chords com apenas duas ou três cordas, estaria definido o que hoje chamamos de “True Norwegian Black Metal”.
Sem contar que também foi no Mayhem que o corpse paint passou a fazer parte do Black Metal. Per Yngve Ohlin (Dead), então vocalista do Mayhem, maquiava-se como um cadáver nos shows e ensaio da banda.
Confira o gráfico:

Claro que várias bandas contribuíram para que o estilo fosse conhecido no mundo todo, além do Mayhem não podemos deixar citar as importantíssimas Burzum, Darkthrone, Emperor, Gorgoroth e Immortal. Porém, as mais proeminentes figuras da cena norueguesa foram mesmo Euronymous do Mayhem e Varg Vikernes do Burzum, muito devido aos bizarros acontecimentos que falarei mais adiante.
Inner Circle e Deathlike Silence Productions  
Grande parte do movimento Black Metal na Noruega era organizado por Euronymous através de um seleto grupo (que era composto por amigos próximos e bandas), que ficou conhecido como “Inner Circle” (ou Black Circle como chamava alguns). A sede do Inner Circle era o sótão da loja de discos de Euronymous, chamada de “Helvete” (ou Inferno). A loja, além de vender exclusivamente discos de Metal, também tinha um estúdio de gravação que pertencia ao selo de Euronymous a Deathlike Silence Productions.
Um importante fato a ressaltar em relação a Deathlike Silence Productions (além claro dos excelentes e icônicos álbuns lançados por ela) é a ideologia por de traz do selo. Euronymous trazia no logo de seu selo as regras do verdadeiro Black Metal:
 “No fun, no core, no mosh and no trends”, traduzido livremente como: Sem diversão, sem core (referente a estilos como hardcore, metalcore, grindcore), sem mosh (o Black metal era pra ser sentido e não divertido a ponto de dar mosh), e sem moda.
Queima de Igrejas, assassinatos e suicídio
Queima de Igrejas:
Para alguns membros do Inner Circle não bastava apenas música para expressar seu ódio contra o cristianismo, mais sim atos. Foi então que uma onda de incêndios a igrejas cristãs começou, até 1996 houve ao menos 50 igrejas queimadas, a mais conhecida foi a de “Fantoft Stave”, queimada por um membro do “Inner Circle” com ajuda de Varg Vikernes que na época era conhecido como Count Grishnackh. O Inner Circle levou até as últimas consequências o fato de viver os reais ideais do Black Metal, queimar igrejas foi só o começo…

Suicídio:
Em Abril de 1991 o vocalista do Mayhem Per Yngve Ohlin, mais conhecido pelo pseudônimo “Dead”, comete suicídio com um tiro de espingarda na cabeça, depois de ter cortado os pulsos e garganta, deixando apenas uma singela carta que dizia: “Desculpem pelo sangue”.
O corpo de Dead foi encontrado por Euronymous. Antes de chamar a polícia, o musico foi a uma loja próxima comprou uma câmera fotográfica e tirou fotos do cadáver. Uma dessas fotografias foi usada pelo guitarrista numa capa do Mayhem o Bootleg “Dawn of the Black Hearts”.
Boatos diziam ainda que Euronymous recolheu pedaços do crânio de Dead e fez colares que distribuiu entre alguns membros do Inner Circle. Dead, que nunca se deu bem com Euronymous, tinha um certo fascínio pela morte e acreditava que a vida era somente um sonho. Nos shows, o musico carregava um saco onde dava periódicas baforadas, no interior deste saco tinha um corvo morto que servia, segundo o vocalista, para sentir a essência da morte.
No final de novembro de 2018, a empresa Serial Killers Ink colocou à venda um pedaço do crânio de Dead por US $ 3.500
Dead vestia roupas que anteriormente tinha enterrado e onde proliferavam vermes e insetos, sem contar que ele costumava se cortar com facas e vidros. Durante um show em Sarpsborg, em 1990, os cortes foram tão profundos que ele teve de ser levado ao hospital por causa da severa perda de sangue.
Assassinatos:
Em 21 de agosto de 1992, Bård ‘Faust’ Eithun (Emperor) esfaqueou até a morte um homossexual chamado Magne Andreassen numa floresta perto de Lillehammer. Em 1994, ele foi sentenciado a cumprir 14 anos na prisão, porém foi liberado em 2003.
O Inner Circle foi totalmente exposto na mídia em 1993 quando Varg Vikernes assassinou Euronymous em sua casa com 23 golpes de faca na cabeça e nas costas. Vikernes foi preso em 19 de agosto de 1993 em Bergen e recebeu liberdade condicional somente em maio de 2009.
Com a morte de Euronymous e a prisão de vários membros do Inner Circle, o movimento chegou a seu fim. Mesmo assim, as bandas do Black Metal norueguês continuaram suas carreiras, destaque para o disco “De Mysteriis Dom Sathanas” do Mayhem, que foi lançado em 1994 contendo gravações tanto de Euronymous quanto de Varg Vikernes que foi o baixista do Mayhem neste álbum.

A política do Black Metal norueguês
Um tema pouco mencionando em matérias nacionais relacionado ao Black Metal norueguês (e que também ficou de fora do filme “Lords of Chaos”), é o fato da ligação de alguns membros do Inner Circle com a extrema direita nazista, em especial vinda de Varg Vikernes. O ambiente de racismo e misoginia existente no Inner Circle eram comumente abraçado abertamente por vários músicos e bandas da cena.

Diferente do Brasil, a Noruega é um pais politizado e seu povo tem ciência das facetas econômicas e históricas de seu governo, bem como as do mundo. Portanto, claro que muitos destes extremistas do Inner Circle sabiam muito bem o que defendiam, um exemplo simples podemos encontrar na contracapa do álbum “Transilvanian Hunger” do Darkthrone (que tem participação de Varg Vikernes) que traz estampado a frase: “Norsk Arisk Black Metal” (Black Metal ariano norueguês).
Porém, nem todos os membros do Inner Circle seguiam essa extrema direita, Euronymous, nome maior do Inner Circle e figura fundamental para o Black Metal como explicado anteriormente, era Comunista!
Euronymous era um estudioso do comunismo e grande admirador de personalidades como Lenin e Stalin. Fez parte durante um tempo da ala juvenil do partido vermelho da Noruega, período que ajudou a moldar sua personalidade discursiva, transformando o guitarrista numa pessoa carismática e eloquente, amado por uns e odiado por outros.
Suas convicções socialistas chegaram inclusive a fazer parte do modo como administrava seu selo. A Deathlike Silence Productions tinha como objetivo ser uma espécie de “multinacional underground socialista”. Em várias cartas trocadas com seus contatos mundo a fora, Euronymous deixava claro a importância da Deathlike Silence Productions trabalhar favorecendo os músicos, levando ao pé da letra o lema socialista que diz “Se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertence”. Euronymous também costumava colocar no meio de sua assinatura o desenho da foice e do martelo, símbolo da união dos trabalhadores comunistas.
A liderança de Euronymous dentro do Inner Circle começou a ser desfeita com a entrada de Varg Vikernes no grupo. O inner Circle por fim acabou se dividido em dois e cada um dos principais líderes defendiam acirradamente seus ideais. Euronymous liderava o Inner Circle comunista e satanista, já Varg liderava o Inner Circle nazista e pagão.
Tenho convicção que essa discordância política e ideológica foi sim um dos motivos pelo qual Varg tenha tirado a vida de Euronymous. Alguns especulam que o assassinato foi resultado de uma disputa contratual/financeira sobre as gravações do Burzum, Varg diz ter atacado Euronymous apenas para se defender, pois tinha sido ameaçado anteriormente. Eu fico com duas destas versões, a política e contratual/financeira.
 O fato é que ambos, tanto Varg quanto Euronymous, eram totalitaristas extremistas, portanto, tanto faz posicionamento político defendido por eles (esquerda ou direita), pois o que difere um totalitarista de esquerda ou de direita é a filosofia base que vai formar seu pensamento político e econômico, neste caso capitalismo, socialismo e comunismo.
O que não podemos deixar de lado é essa conivência extremista existente no movimento. Essas posturas tem de ser sim denunciadas e debatidas ao ponto de entender o papel que elas tem inclusive dentro da construção do próprio Black Metal. Tentar entender esse “éthos” do estilo é de suma importância para que possamos compreender como um movimento que busca trevas, desespero, extremismos e desesperança, consegue atrair tantos jovens. Talvez essa questão política seja um dos principais pontos, porém, creio que somente conseguiremos claras respostas se observamos esses acontecimentos pela ótica do próprio Black Metal.  

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