quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Resenha: Melanie Klain – Análise do Caos (2016)


O método terapêutico criado por S. Freud chamado psicanálise vem há anos teorizando a vivência e o comportamento humano. Como investiga a psique do indivíduo independente da Psicologia, o campo consegue avaliar com detalhes a personalidade individual, facilitando a compreensão da ética, moralidade e da cultura humana num todo.
Uma psicoterapeuta muito famosa é a austríaca Melanie Klein. Classificada como pós-freudiana, Melanie foi uma das autoras que mais contribuíram para o entendimento do funcionamento psíquico inconsciente, influenciando inclusive vários outros autores através de seus renomados trabalhos. Porém, não foi apenas doutores e psicanalistas a serem influenciados por suas ousadas teorias, mais sim músicos, como no caso da banda paulista Melanie Klain.
Fundada em 2007 na cidade de Mococa, o grupo batizou a banda com o nome da psicanalista (com uma pequena modificação no sobrenome da doutora de Klein para Klain), por identificarem-se tanto por seus trabalhos quanto por sua postura na vida, já que mesmo com muitas dificuldades e empecilhos físicos e psicológicos Melanie Klein nunca desistiu de ser psicanalista, tornando-se uma das mais respeitadas inclusive.
Com esse nome sugestivo e letras por deveras conscientes e críticas, o primeiro trabalho do grupo não poderia ter um título melhor: “Análise do Caos”. O debut lançado em 13 de julho de 2016 (dia mundial do Rock), é carregado de temas pesados e uma ideologia firme que não dá brechas ao comodismo, analisando o caos de nossa sociedade através de músicas instigantes e bem gravadas.
O capricho do trabalho começa logo pela inteligente arte gráfica. Se reparar na capa do disco verá uma pasta no banco do carro com a frase “análise do caos”, que inclusive apresenta o nome do álbum. Quando se abre o encarte é como se abrisse essa pasta, e lá dentro podemos ter acesso a uma análise que descreve nossa sociedade através da corrupção, guerra, abandono e revolta, além de descrever os mecanismos que nos leva a esse abismo físico e interno, como a televisão religião e redes sociais.

O mais incrível é que em meio as imagens e as letras das músicas a banda escondeu algumas mensagens através de frases invertidas, criptografias, coordenadas de latitude e longitude além de códigos binários e Morse. Junto a essa resenha vou desvendar cada uma destas mensagens na sequência exata que as mesmas são apresentadas junto as composições do trabalho.
Vamos lá:
“Abençoados Por Deus”
(Os políticos são reflexo da população)
Após uma intro nos modos circenses chamada “desrespeitável público”, onde o apresentador do espetáculo descreve a alienação do povo brasileiro, inicia-se a marcante “Abençoados Por Deus”. De forma crítica a faixa resenha nosso país coberto de corrupção e hipocrisia, citando de forma peculiar os abusos do descobrimento do país. A ideia é mostrar a dualidade que vivemos, já que geologicamente somos abençoados por Deus, porém, escravos da corrupção.
Musicalmente a faixa é impecável já que consegue transpassar a ideia proposta com bastante força. O clima me lembrou em alguns momentos o “Titanomaquina”, dos Titãs, porém com mais peso e com muito mais atitude. Aos quatro minutos e 29, o ritmo da faixa muda e traz um instrumental lindo com um excelente baixo que desenha de forma límpida frases que são finalizadas com ótimos harmônicos. No encarte, entre a letra de “Abençoados Por Deus”, podemos encontrar uma digital coberta de sangue, a digital é uma referência de que ” os políticos são a nossa identidade” já que somos nós que os colocamos no poder.
“Diálogo”
(Acho que esse álbum foi feito isso, pra expor um pouco essas ideias)
Em “Diálogo”, a Melanie Klain analisa o sistema mostrando a impossível comunicação entre o povo e o mecanismo que controla a sociedade. Sem papas na língua, a faixa não tem medo de expressar os motivos que geram as mentiras que acabam se tornando a solução para nossos problemas. Com algumas mudanças rítmicas a música tem uma pegada alá Sistem of A Down que te impossibilita ficar parado.
 “Diálogo” traz no encarte uma mensagem em código binário que decodificada apresenta a seguinte frase: “Não seja um filho da puta”.


“Fé Cega”
(Nós lutamos tanto, a vida inteira, que parece que no final das contas a gente não fez praticamente nada)
“Até onde vai a ganância do homem?  Eu vejo a fé cega matando o livre arbítrio que o seu próprio Deus lhe concedeu”. Assim inicia- se “Fé Cega”, que discorre de forma consciente sobre as religiões organizadas que vendem a salvação, afinal de contas, a fé é em nome de quem?
A faixa traz alguns trechos bíblicos como o salmos 22 e filipenses 4:13, por exemplo. No encarte, podemos encontrar em números romanos a latitude e longitude de Mococa, XXI° XXVIII ‘nIV”S XLVII° nn’ XVII” W (latitude 21º28’04” sul e longitude 47º00’17” oeste), no caso a letra “N” representa o número zero.
É interessante essa coordenada estar presente na página de “Fé Cega”, já que o município pertence à Diocese de São João da Boa Vista e tem uma visão conservadora em respeito a religião.


“Guerra”
(A corrupção começa quando nós mesmos deixamos de fazer o básico em nossas vidas, que é respeitar o direito do próximo)
A guerra existe de várias formas e usa armas diversas que vão desde bombas de extermínio massivo até o controle psicológico através do suborno e da alienação. A quinta faixa da análise do caos descreve essas guerras de forma crua e pesada, despejando de forma ácida questionamentos relevantes.
No encarte podemos encontrar uma imagem em código Morse que traz a seguinte frase:
“Mas se não há justiça não pode haver lei”
Segundo o vocalista Duzinho, a frase estará presente numa música do próximo disco da banda, a faixa será sobre a ditadura militar.


“Marcas do Abandono”
De forma introspectiva e triste “Marcas do Abandono” se inicia no formato acústico, resenhando a rejeição e a solidão de forma consciente e realista. A faixa tem vários momentos climáticos que por fim acabam abraçando um peso dosado com bastante feeling.
Para complementar o contexto da faixa, no encarte podemos encontrar uma frase invertida e cortada pela metade que diz: “eu morri amando cada um de vocês”.


“Rede Social”
Um dos grandes embaraços da atualidade é o uso indevido das redes sociais. Ali, de forma muitas vezes deturpada, encontramos todo tipo de alienação desde política a religiosa. Tudo é muito deturpado e movido a aparência transformando ideologias coerentes em modinhas fúteis. Essa ideia foi muito bem pintada pela Melanie Klain em “Rede Social”, que através de quatro minutos e 29 segundos conseguiu expressar com bastante ênfase essa visão.
No encarte, logo após a letra da música, podemos encontrar um QRCODE que funciona mesmo, além de criptografias presentes no lado de cada foto dos membros da banda. Essas criptografias revelam os verdadeiros nomes dos músicos.

“Analise do Caos”
(Não adianta ficar reclamando que político é ladrão)
Para finalizar a leitura da análise do caos, nos deparamos com a incrível faixa autointitulada. A música é uma porrada que entre “aspas” propõe que a culpa da situação precária de nosso país muitas vezes parte de nós mesmos, já que somos acomodados e desprovidos de senso crítico.
O legal na imagem do encarte é que no fim da letra aparece um borrão, como se a tinta da impressora tivesse acabado. E, para finalizar, incluíram uma folha de caderno com o restante da letra escrita à mão e com caneta.

De forma criativa, a Melanie Klain conseguiu resgatar aquela velha atitude rockeira de outrora, transmitindo através de excelentes composições ideias fortes e polêmicas. Faixas como “Lavagem Cerebral” e “Cartas de Um Suicida” são realidades que muitos ignoram porém são vistas com muita facilidade em nossa sociedade atual.
Para finalizar, vou destacar aqui o desfecho do álbum chamado “Reflexão”, que usa algumas frases avulsas contidas no encarte, como recortes de caderno, para resumir e tentar abrir os olhos do ouvinte sobre o que acabaram de ouvir.
Altamente recomendado.
Formação:
Duzinho (vocal/guitarras);
Chapolim (vocal/guitarras);
Viola (guitarras);
Vick (baixo);
Pedro (bateria).
Faixas:
01 – Intro
02 – Abençoados Por Deus
03 – Diálogo
04 – Fé Cega
05 – Guerra
06 – Marcas do Abandono
07 – Lavagem Cerebral
08 – Cartas de Um Suicida
09 – Cólera/Nação
10 – Rede Social
11 – Análise do Caos
12 – Reflexão

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Iron Maiden: “The Wicker Man” e o ritual celta


O décimo segundo álbum de estúdio do Iron Maiden, “Brave New World”, lançado em 30 de maio de 2000, figura-se dentre um dos melhores trabalhos da carreira da Donzela. O disco que marca a volta de Bruce Dickinson e Adrian Smith carrega músicas fantásticas, dentre elas, um clássico por deveras interessante, chamado “The Wicker Man”.
A faixa, escrita por Adrian Smith, Bruce Dickinson e Steve Harris, é uma das mais fortes do trabalho e discorre de forma simbólica sobre o egoísmo do ser humano e como estamos perdendo o apreço pela vida. “The Wicker Man” (O Homem de Vime) foi inspirada num excelente filme britânico de mesmo nome lançado em 1973, que traz o saudoso Christopher Lee no papel de Lord Summerisle.

O filme conta a fictícia história do policial Neil Howie (Edward Woodward), que chega à ilha de Summerisle, na Escócia, para investigar o desaparecimento de uma jovem. No local ele descobre que todos os habitantes da ilha seguem costumes completamente diferentes de sua crença cristã, eram todos pagãos. A tensão e o mistério aumentam quando ele conhece Lord Summerisle, o poderoso líder da seita. De forma carregada e cheia de suspense o filme explora com bastante ênfase os antigos ritos e costumes do paganismo, em especial a festa de 1º de maio, Festival da Primavera ou Festival de Beltane (de origem celta).

O filme tem um final estarrecedor que envolve o “Wicker Man”, o homem de palha. O “Wicker Man” era uma estátua de vime com pelo menos quatro metros de altura na forma de uma pessoa que os celtas queimavam. O problema era que dentro desta estatua era oferecido aos deuses sacrifícios humanos. O ritual servia de agradecimento à boa colheita, porém também era usado como condenação: em geral, as vítimas eram ladrões e criminosos variados. As “oferendas” ficavam presas em gaiolas de madeira dentro da estátua que era incendiada diante a comunidade que entoava cânticos. Vale lembrar que em 2006 foi gravado um remake horrível do filme. Estrelado por Nicolas Cage, o remake deixou de lado as simbologias e as questões religiosas encontradas na obra original, dando a película um ar bobo e de pouco conteúdo.

O Iron Maiden usou de forma representativa alguns trechos do filme para compor a letra de “The Wicker Man”, porém não conta literalmente sua história ou mesmo descreve o ritual pagão e sim faz menções coesas e simbólicas de ambos. Diferente da canção “Wicker Man” de Bruce Dickinson gravada em 1997, que narra com mais detalhes o ritual celta. A canção foi gravada nas seções do álbum “Accident Of Bith” e pode ser encontrada no CD duplo The Best of Bruce Dickinson.



Na turnê de divulgação do álbum “Brave New World”, o Iron Maiden levou para os palcos um grande homem de palha com o rosto do Eddie. Geralmente o “Wicker Man” era apresentado quando a banda executava a faixa “Iron Maiden”, mostrando de forma artística e curiosa esse ritual bizarro por muitos esquecido.
Confira a aparição do “Wicker Man” no Rock In Rio de 2001:


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Heavy Metal: quando o estilo ganha traços acadêmicos


O Heavy Metal passou por vários momentos conturbados e por vezes injusto. Já tentaram até proibir o estilo, acusando-o de subversivo, demoníaco, pervertido, degradante e burro. Porém, com o passar do tempo, esses pensamentos e acusações foram se transformando em algo totalmente oposto.
 A riqueza artística e expressiva figurada através do Heavy Metal consegue unir de forma criativa música, literatura, poesias, filosofias e ciência. O estilo várias vezes trouxe aos palcos fatos históricos e acontecimentos importantes da humanidade, transformando seus discos e shows em verdadeiras aulas. Claro que as bases usadas para isso são bem concretas, tanto que importantes músicos como Tony Iommi (Black Sabbath), Brian May (Queen), Bruce Dickinson (Iron Maiden) e Mick Jagger (Rolling Stones), além de vários outros, carregam juntos no currículo acadêmico, formações que vão desde ciências contábeis até astrofísica.
Desta forma, o Rock/Metal consegue abordar temas complexos através de uma ótica mais “palpável”, aguçando a curiosidade de alguns e enriquecendo o conhecimentos de outros. Junto a este prisma, muitos fãs acabam se influenciando e usando o estilo como temas em seus trabalhos de conclusão de curso. Os famosos “TCCs” (que são trabalhos acadêmicos de caráter obrigatório que serve de avaliação final de um curso superior), algumas vezes trazem como tese assuntos referentes a nosso vasto mundo do Rock/Metal, então hoje citarei aqui alguns deles, deixando no final da matéria um link para o download de todos os trabalhos citados:
“Culturas negra e indígena no Heavy Metal nacional”
William Castilho de Moraes
 Licenciado em História pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo UNISAL – Lorena/2015
Resumo:
Com esta pesquisa pretendemos explorar a importância da influência da música brasileira para a renovação do heavy metal mundial. A partir das composições das bandas Angra e Sepultura, que utilizaram elementos musicais de origem nacional, tanto na incorporação de instrumentos quanto no trato melódico, além de temática histórica relativa aos povos indígenas e africanos nas letras, trataremos de considerar as contribuições que estas bandas trouxeram para este estilo musical de alcance internacional. Procuraremos entender como a cultura brasileira é divulgada e valorizada pela presença de produções musicais nacionais num universo artístico específico, privilegiado pelas produções internacionais.

“O Rock Underground em Florianópolis: entre a indústria cultural e a resistência”
Maria de Fátima Bernadete de Souza
 Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do título de Bacharel em Serviço Social, orientado pela Profª Drª Vania Maria Manfroi. Florianópolis 2014
Resumo:
 Neste trabalho investigamos a história do rock, não apenas enquanto gênero musical, mas enquanto um movimento, que se espelha na realidade social e também faz o contrário, evidenciando em suas composições os valores, os desafios, os questionamentos, dentre outras questões, desta realidade na qual se insere. Articulamos a trajetória do rock no contexto mundial, nacional e local, com os aspectos históricos, sociais e culturais mais marcantes, de acordo com nossa pesquisa bibliográfica e das informações adquiridas através dos sujeitos entrevistados.
Desta forma, destacamos que a metodologia utilizada tem por base a pesquisa bibliográfica, a entrevista coletiva, o registro e a observação participante. O rock possui diversas vertentes e configurações, por isto, neste trabalho, utilizamos o recorte do rock underground para pensar experiências de resistência ao status quo e à dominação da indústria cultural. Desta forma, utilizamos a ideia de cena underground para analisarmos a sociabilidade e interatividade que possibilita espaços de reflexão àqueles que dela participam.
Fizemos uma aproximação com o debate sobre indústria cultural, ainda que de maneira muito introdutória, mas que nos possibilitou uma reflexão acerca do rock enquanto movimento que surgiu da oposição à dominação hegemônica, mas que em sua caminhada histórica e social, vive na linha tênue entre a resistência e a transgressão, e a absorção pela indústria cultural.
Considerando o poder contestatório do rock, buscamos conciliar o debate com a formação em Serviço Social, profissão esta que busca compreender e analisar a realidade, para nela intervir, entendendo que esta discussão pode contribuir para uma apreensão crítica do contexto político, histórico, social e cultural em que vivemos.

“O Rock Brasileiro e suas origens”
Vitor Placucci Vizzotto
 Trabalho realizado e apresentado sob a orientação do Professor Alexandre Ogata, da disciplina de Inglês.
 Introdução:
Relatarei sobre a história do Rock ‘n Roll e o Rock no Brasil e como que se “firmou” em um país onde o que é popular são estilos, samba, rap, música popular, etc. Também irei tratar de uma dúvida comum entre os amantes do Rock no Brasil, por que o Rock não cativou os brasileiros da mesma fora que os países ditos desenvolvidos?

“Mulheres no Rock: por que ainda somos tão poucas?”
 Fabiana de Paula
 Trabalho de conclusão do curso pós graduação em Mídia, Informação e Cultura produzido sobe orientação do professor doutor Alexandre Barbosa
 Resumo:
Este artigo contempla o sexíssimo como um dos motivos da discrepância no número entre homens e mulheres no Rock, com base em referencias teóricos de Pierre Bourdieu, Simone de Bourdieu e Stuart Hall, analise de reportagens que relatam ocorrências de preconceito de gênero nesse cenário e entrevistas com musicistas Brasileiras que relatam os casos de machismo que enfrentam ao longo da carreira.

“Visualidade do Punk Rock”
Melissa Crocetti
 Monografia apresentada no curso de pós-graduação em Poéticas Contemporâneas no Ensino da Arte, como requisito para obtenção do grau de especialista.
Pretendo com o estudo das capas dos encartes de alguns discos do movimento punk rock verificar se havia compatibilidade entre o que pregava ideologicamente o punk rock e as capas dos encartes. Esta análise deve ser feita em dois sentidos: a averiguação da existência de uma relação política entre o movimento e os encartes que datam da época, em um primeiro momento, e posteriormente levando em consideração o estudo da semiótica.
Além desses TCCs citados, consegui encontrar alguns outros trabalhos muito interessantes como por exemplo um ensaio chamado “I am”: o Verbo encarnado nas canções de Be, do Pain of Salvation de Jaqueline Pricila dos Reis Franz, e “Analise iconográfica e iconológica do álbum LP The Number Of The Beast da banda inglesa Iron Maiden 1982 de Cristian Machado. Lembrando que se quiser ler estes trabalhos na integra, além de todos os Tccs citados nesta matéria, é só entrar no link abaixo e fazer o Download.

W.A.S.P.: o operístico conceito de “The Crimson Idol”


Mesmo que eu me debruçasse horas a finco sobre papéis, mesmo que os calos em minhas mãos recitassem poemas dolorosos através de minha escrita, jamais eu conseguiria expressar com palavras o que este álbum representa. Poderia usar a paixão de Shakespeare ou a profundidade de Dostoiévski e mesmo assim seriam palavras rasas perto do oceano chamado “The Crimson Idol”.
A vida em suas infinitas tragédias anseia por uma explicação satisfatória em relação ao amor, mas como exprimir tal sentimento num lar onde você é rejeitado pelos próprios pais? A faceta dolorosa desta questão torna-se uma guilhotina silenciosa, e a única saída é o sofrimento.
Assim é a história de Jonathan Aaron Steel, um jovem rejeitado pelos pais que via seu irmão Michael ser idolatrado pelo pai Willian (chamado por ele de Red), enquanto procurava carinho nas poucas migalhas que lhe era oferecido.
O pai de Jonathan via em seu irmão tudo que ele esperava e sonhava de um filho, porém, em Jonathan, Willian não via absolutamente nada.
O álbum começa com uma linda introdução chamada “The Titanic Overture”, que serve de trilha para o nosso protagonista que parado em frente a um espelho recita versos abrangentes de angustia e dor:
“Eu olho no espelho… E não compreendo… Não me sinto como um menino, e, ele não está mais desobstruído… Mas eu não me sinto em momento algum como um homem”.
Jonathan faz do espelho seu melhor amigo, ali ele via refletido todas as suas ilusões e tristezas por ser rejeitado. Neste ponto, ele sente nascer em seu íntimo o “calor” do rock, uma sinergia poética é despejada sobre o manto de sua percepção, um adolescente de 17 anos que sabia sem pautas ou mentiras que seu pai jamais dividiria junto a ele os seus sonhos.
“Eu tenho dezessete anos… Sou um filho de alguém… Mas meu pai sequer sabe onde eu estou. Pois, quando ele me olha, ele detesta simplesmente o que vê. Ele não sabe quem eu realmente sou”.
“The Titanic Overture” carrega em seu tema musical frases que serão usadas em outras músicas, uma composição linda que traz um riff introspectivo digno de tragédias shakespearianas, ranhuras gravadas a ferro que descreve através de impactantes acordes a dor do nosso herói natimorto.

THE INVISIBLE BOY
A faixa inicia-se  narrando de forma retrospectiva o drama da vida de Jonathan.
Crianças sempre brincam de super heróis e inventam fantásticos poderes, como por exemplo, a invisibilidade, porem a primeira narrativa de sua infância demonstra com tristeza esse “poder” da invisibilidade, ele era indesejado, rejeitado e esculachado, um garoto invisível perante seus familiares. Jonathan via seu irmão levar créditos por tudo, enquanto que para ele o carinho vinha em forma de “cintadas”, ali sobre a condição de uma criança indefesa ele apenas se pergunta o porquê disso tudo.
“Eu era o garoto indesejado… um prisioneiro…  Meu irmão era o único… (…) e, eu estava lá, falecendo sob a sua sombra”.
“Sinto a cinta atravessar as minhas costas… Sim, eu sou o ‘novo garoto chicoteado’. Quem sou eu – O filho órfão de quem você nunca precisou? Quem sou eu? Porque eu sou o garoto que apenas o espelho vê… Quem sou eu? O escravo a quem você deu apenas o ar que eu respiro? Quem sou eu? Porque eu sou o garoto que apenas o espelho consegue enxergar”
A música é estupenda e traz toda característica do W.A.S.P. em seus acordes de angustia, fazendo o ouvinte mergulhar de cabeça sobre as águas da vida de Jonathan. Nas frases finais, ele recita seu triste bordão: Is there no love to shelter me?

ARENA OF PREASURE
Apesar de tudo Jonathan não odiava seu irmão, na verdade ele o amava muito, é ai que o trágico toque do destino ceifa a vida de Michael. Com apenas 14 anos de idade, o “garoto chicoteado” perde seu irmão num acidente de carro, o motorista bêbado atropela fatalmente seu amado irmão, deixando a família em torpor.
Chocado, o garoto chicoteado não consegue extrair forças para enfrentar as facetas do funeral, isso fez com que seus pais o renegassem ainda mais.
Os anos de sofrimento prosseguem intransponíveis, então ele decide fugir de casa para viver na “arena do prazer”, ali em meio à “liberdade”, Jonathan assiste a inúmeros concertos de Rock.
“Eu fugi de casa na noite passada, para sempre… Eu corria em nome da minha vida. E então, eu ouvi as palavras sobre quem eu poderia ser… Viver, trabalhar, morrer… Eu sou o órfão da noite… Derrubem-me! Eu estou voltando para casa… a estrada para as ruínas, dentro da cúpula prazer… Derrubem-me! Eu estou voltando para casa… a arena dos prazeres… onde eu pertenço”
Na “arena dos prazeres” nosso “herói” sente que seu destino esta atrás das seis cordas, o toque do Rock faz ali sua equação.
Agora com 16 anos, seu sonho é tornar-se um discípulo da “arena do prazer”, assim ele se via grandioso na terra prometida.

CHAINSAW CHARLIE (MURDERS IN THE NEW MORGUE)
Jonathan tinha em suas veias algo mais que sangue, ele tinha o talento e o feeling para ser um representante do rock, de suas vísceras furtivos e inspirados poemas eram executados e musicados. Era nítido que o distinto garoto com sua guitarra vermelha carmesim logo ganharia notoriedade junto à banda que montou. sendo assim, o talento e busca de Jonathan chama então a atenção de Charlie, dono da gravadora Morgue, esta que tinha um “dileto” apelido de Motosserra.
Nesta música, Lawless despeja toda sua repulsa em relação aos sanguessugas das gravadoras, o frontman nunca escondeu que este personagem (Charlie), era uma alusão ao dono da Capitol Records.
Charlie encontra Jonathan sedento por fama e com suas palavras “sedutoras” oferece a ele um contrato:
“Aqui está o seu contrato… você irá apostar com a sua vida? Assine sobre a linha pontilhada… a única pela qual você esperou por toda a sua existência”
Charlie via naquele garoto uma oportunidade. Em seu íntimo o empresário não gostava do mundo da música, seu prazer era apenas em “desossar” pessoas, pra ele os músicos eram cordeiros, e sua gravadora um abatedouro sem escrúpulos.
Em minha opinião Chainsaw Charlie (Murders In The Rue Morgue) é uma das maiores composições do W.A.S.P., visto que a crítica massiva em relação as gravadoras que roubam e dessecam seus contratados é uma total realidade por muito escondida, o sarcasmo por deveras lírico e grandioso demonstra com nitidez o circo de hipocrisia existente no mundo musical.
A capa deste single é espetacular, trazendo a imagem da sala de Charlie com vários discos de ouro na parede, sobre a mesa, uma ossada com a motosserra cravada sobre ela.
No refrão da música existe uma excelente referência em relação aos discos de platina tão desejados, o exército de platina representa a equipe de Charlie que agora transformava Jonathan em um dos seus “garotos”.
“Assassinatos, assassinatos na nova MorgueAssassinatos, assassinatos na nova MorgueVeja o velho Charlie e os exércitos de platinaFazendo-me seu garoto”
Charlie inescrupuloso despeja toda a sua impiedade e mentiras em nome do dinheiro:
“Bem-vindo ao meu necrotério, garoto… (…)… Eu vou cortar sua garganta, apenas para permanecer vivo… (…)… Se você confiar em mim, filho, você certamente não durará muito tempo. Eu sou o presidente do showbiz… meu nome é Charlie. Aqui, da torre da minha própria Hollywood, eu dito as regras… eu sou um filho da mãe mentiroso… e a motosserra é a minha ferramenta. O novo necrotério é a nossa fábrica (de discos), a graxa são as nossas mentiras. Nossa máquina está faminta… ela precisa de sua vida”
Estupendo é pouco para descrever com precisão este épico.

HE GYPSY MEETS THE BOY
Jonathan começa a se tornar um grande astro, seus passos agora eram sob o chão dourado da fama, e num momento típico de misticismo, ele é abordado por uma cigana que propõem ler seu futuro através de cartas de tarô. Como recusar esse tipo de oferta?  A sorte o abraçava fortemente, ele estava feliz demais para recusar.
A cigana então joga as cartas e de pronto diz uma frase enigmática:
“A face da morte usa a máscara do rei da misericórdia”
A analogia da frase fica em torno da carta tirada, um rei. Quando Jonathan pergunta se realmente aquela “visão” era verdadeira, a cigana vai embora e deixa com ele as cartas de tarô junto às seguintes frases:
“Cuidado com o que tu desejas… poderá tonar-se realidade”
  A partir dali, um temor torturante começa a tomar conta de seus passos.
“Então a ilusão era real, um ídolo rubro eu vi, mas o quão alto ele voa, de mais alto ele cai”
Por fim, mesmo consciente dos perigos em desejar, Jonathan através de suor e medo recita um canto repleto de um tocante e tangente desejo:
“Eu só quero ser… o ídolo rubro entre milhões de olhares”

DOCTOR ROCKETER
A fama traz consigo as costumeiras mulheres, bebidas e drogas. Jonathan torna-se um viciado, Doctor Rockter era o responsável por alimentar suas “viagens”, Jonathan enaltecia o médico traficante e o considerava um amigo:
“Ele é o rei da picada, o Senhor Morfina, o meu amigo. O Tio Sam, o curandeiro; e eu sou um viciado com o porte de um grande King Kong, rastejando para cima e para baixo as minhas costas”
É claro que Doctor Rockter agradecia e “admirava” seu cliente:
“Oh, eu irei ajudá-lo neste momento, meu amigo. Mas você precisa comprar. Afinal, eu sou o seu médico”
Entre as “viagens” e torpores da droga, Jonathan já nem mais se lembrava de seu sofrimento, seus anestésicos eram potentes e ilegais, totalmente patrocinado pela fama.

I AM ONE
A música inicia-se com Jonathan dando boas-vindas aos fãs em torno do mundo:
“Hello, New York City! Hello, Dallas! Hello Los Angeles, California! Tokyo! Rio de Janeiro! ( …)”
Ele conseguiu, se tornara o ídolo rubro, ele era o único. Jonathan carrega seus dias como rosas sangrentas, 18 delas, uma para cada ano de sua vida.
Mesmo imerso em fama e dinheiro, mesmo entorpecido por drogas, ele sempre lembrava de sua mãe, seus delírios sagazes recitam gemidos murmurantes em forma de canto:
“Mamãe, olhe o que me tornei… Será que ele me levará para baixo da forca? E matará o menino dentro do homem?”
O homem ainda trazia dentro de si aquele menino, o musico rico ainda exprime os lamentos de sua infância:
“Is there no love shelter me? Only love, love set me free”…



THE IDOL
O ápice do álbum chama-se “The Idol”, e transcreve perfeitamente o dilema da vida de Jonathan.
A obra de arte começa com o áudio de uma festa, onde managers, colegas de banda e mulheres falam e se divertem, ali em meio às sanguessugas, Aaron Steel faz uma autoanálise e indaga sua fama e sentimentos internos.
Em certo ponto da festa Alex Rodman (seu empresário, também um sanguessuga), expulsa os convidados, é neste epicentro que começa umas das melhores composições da década de 90, a obra de arte máxima de Mr. Blackie Lawless.
Bêbado, Jonathan acaba pegando o telefone para ligar pra sua mãe, quando ela diz “alô?” a música começa (detalhe para as batidas de seu coração), os toques sepulcrais de guitarra enchem o ar. Jonathan em meio a torturante angustia da rejeição começa a dizer:
“Estarei eu sozinho esta manhã?Precisarei de meus amigos?Alguma coisa para aliviar a minha dor……Ninguém percebe a solidão por detrás de minha faceEu sou apenas um prisioneiro da minha fama…
A música então ganha um inspirado e triste violão, assim se inicia o momento único da obra de arte, assim se inicia o ultimo contado de Jonathan com sua mãe…
Se eu pudesse somente permanecerE olhar para dentro do espelhoO que eu poderia ver?Um herói sucumbido com uma face igual a minhaE seu gritasse alto, alguém me ouviria?E se eu rompesse o silêncio, você veria o que a famaFez comigo……Beije ao longe a dor… E, deixe-me sóEu nunca saberei se o amor é uma mentiraSer insano em meio ao paraíso é fácilVocê vê os prisioneiros por entre meus olhos?Onde está o amor pra abrigar-me?Dê-me amor, amor deixa-me ser livre!Onde está o amor para abrigar-me?Somente o amor, me deixa ser livre!”
Sem palavras, “The Idol” é estupenda e magnânima, a obra em sua forma mais poética e brilhante, um poema escrito com lagrimas, um canto expressado com o próprio ar da vida.
O triste ato termina com a mãe do “astro” fazendo de suas palavras uma guilhotina:
“Nós não temos filho” (e desliga o telefone)
A canção termina com Jonathan sob o palco procurando afago para o seu coração dilacerado pelo telefone, quem sabe seus fãs e tantos outros que o idolatram possam confortar sua dor.




HOLD ON TO MY HEART
Junto a “The Idol”, “Hold On To My Heart” foi um dos mais lindos singles já gravados. Um envolvente violão, quase que uma epopeia sentimental, o trabalho acústico destas músicas são por deveras incríveis, sem complicações técnicas, porém com um feeling INACREDITÁVEL!
Ciente de sua condição e com uma voz turva e triste, Jonathan necessita continuar, um show o aguardava, quem sabe se tocando mais uma vez ele alcance a libertação daquele peso maçante que o consumia homeopaticamente.
“Há uma chama, uma chama em meu coração… E não há chuva que possa apagá-la… (…)… Então apenas me abrace… Tire a dor de dentro da minha alma… E eu estou com medo, assim tão só… (…)… E não, não me deixe ir por tudo que eu sou… Coloque em suas mãos, e, me abrace. E eu farei isso por entre o anoitecer. E eu ficarei bem… Agarre-se, agarre-se em meu coração”



THE GREAT MISCONCEPTIONS OF ME
Chega a hora do momento máximo do álbum. Jonathan se dirige ao público num momento último e anuncia:
“Bem vindos ao show, o grande final, terminantemente aqui. Eu agradeço a vocês por virem no meu teatro de medo. Bem-vindos ao show, vocês são todos testemunhas, vocês assistem a um convite privilegiado para minha extrema-unção”
Abre se as cortinas de sua “extrema unção”, os fãs não imaginavam o que estavam prestes a presenciar, a tragédia grega que soluçava seus versos estava agora sendo executada com precisão cirúrgica.
Num momento de delírio Jonathan fala a sua mãe:
“Se lembra de mim? Você não pode me salvar. Mamãe, você nunca precisou de mim… (…)… Olhe nos meus olhos, você verá… Mamãe, eu estou sozinho, sou apenas eu… sou apenas eu”
A dor era muita, os rastros de sua vida foram um engano, do que serve a vida? Se apenas o sofrimento era o que ele poderia beber no cálice da esperança. Neste momento ele percebe que sua fama não lhe trouxe nada, ali perante seus fãs ele percebe que nem mesmo todo dinheiro do mundo compraria o amor que tanto sonhou, ali perante aos seus fãs Jonathan se arrepende do que desejou:
“Eu não quero ser, eu não quero ser, eu não quero ser o ídolo rubro de um milhão de pessoas… (…)… Eu sou um prisioneiro do paraíso que eu sonhei… O ídolo de um milhão de faces solitárias olhando para mim. Por trás da máscara da tristeza, quatro portas da perdição para além dos meus olhos… Eu tenho suas pegadas todas através de minha mente rubra”
As quatro portas da perdição é a representação simbólica dos quatro sentimentos que moldavam a sua personalidade. Depressão – sua inimiga, Medo – seu amigo, Ódio – seu amante e Fúria – seu combustível de vida.
Jonathan estava agora à beira de seu precipício pessoal, então num momento espiritual ele invoca o rei da misericórdia para saudá-lo:
“Vida longa, vida longa ao Rei da Misericórdia!!”
A questão tão propagada durante o disco todo volta, porém agora com um ar de afirmação:
“There is no love to shelter me! Only love, love set me free!”
Não, não existia amor, para Jonathan jamais existiria amor, chega à hora então do seu fim comungado, imerso em tristeza, o homem amargurado prepara o seu suicídio:
“Vivendo na luz do palco, eu pouco percebia… Eu estava morrendo nas sombras e o espelho era minha alma. Era tudo o que eu queria tudo o que eu sonhei; mas o sonho tornou-se o meu pesadelo, e, ninguém pôde me ouvir gritar. Com estas seis cordas eu preparo uma armadilha para tirar minha vida. Chegou à hora de escolher a manchete do meu falecimento, do meu suicídio.”
Sendo assim, ele faz uma forca com as cordas da guitarra, porem antes de seu ato final, o herói caído confessa que seu ídolo sempre foi seu pai, o verdadeiro ídolo rubro era Willian:
Oh doce silêncio, onde está a agulha?Eu não sou um ídolo, nenhum rei rubroEu sou o impostor, o mundo viuMeu pai era o ídolo, nunca fui euEu não quero ser, eu não quero ser, eu não quero serO ídolo rubro de um milhãoEu não quero ser, eu não quero ser, eu não quero serO ídolo rubro de um milhão de olhosSem amor para me abrigar, apenas o amorO amor me libertaSem amor para me abrigar, apenas o amorO amor me liberta
Um momento impar na história do Rock, uma música mais que épica, mais que uma epopeia, uma poesia onde acordes e riffs servem de base para um enredo magnificamente escrito.
Assim a morte chega a Jonathan, através das cordas que transformaram o garoto em um ídolo, uma simbologia fantástica onde o instrumento da busca monetária, transforma-se numa forca para o seu suicídio.

Friedrich Nietzsche dizia que:
“Temos a arte para não morrer da verdade”.
Concordo com ele. Essas máximas são uma constante no meio artístico real, e foi através delas que Blackie Lawless escreveu essa obra-prima metálica.
Jonathan Aaron Steel pode ser visto através dos olhos de milhares de crianças que são rejeitadas pelos pais mundo afora. A representação pragmática de sua vida é apenas um reflexo da tragédia real que muitos passam, porém poucos conhecem.
Ouça a história de Jonathan narrada por Blackie Lawless: