terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Harppia: especial parte 1 (A Ferro e Fogo)


Introdução
“Segundo uma tradição, as Harpias uniram-se ao vento zéfiro e tiveram flogeu e Harpago, cavalos dos Dióscuros.”
Com esta frase coberta pelo mando da mitologia Grega inicia-se o primeiro registro de uma das mais importantes bandas de Heavy Metal do Brasil, o Harppia. A frase presente no EP “A Ferro e Fogo” traz o conceito lírico por traz da faixa instrumental “Harpago” que abre o EP, mostrando que o grupo dispunha de um toque cultural e visceral.
Formado em meados de 1983 na cidade de São Paulo, o grupo (que no princípio chamava- se “Via Láctea”) era composto por Jack Santiago (Voz), Hélcio Aguirra (Guitarra), Marcos Patriota (Guitarra), Ricardo Ravache (Baixo) e Zé Henrique (Bateria). Essa formação foi alterada em 1984 com a saída de Zé Henrique que cedeu as baquetas para o lendário Tibério Correa Neto.
O EP “A Ferro e Fogo”
Logo após a entrada de Tibério, a gravadora “Baratos e Afins” convida o grupo para participar da primeira edição da clássica coletânea “SP Metal”. Entretanto, Tibério que acreditava no potencial do grupo propõem para agravadora a realização de um EP com cinco músicas, desta forma, em 1985, o Harppia conseguiu forjar na história do Heavy Metal nacional o excelente “A Ferro e Fogo” o primeiro EP do estilo a ser gravado no Brasil.
O disco é simplesmente matador e recheado de clássicos, como por exemplo a faixa “Náufrago”, que narra de forma poética os acontecimentos e sentimentos de uma pessoa diante um naufrágio. A canção é quase que uma premonição do famoso filme “Náufrago”, estrelado por Tom Hanks, que seria lançado no ano 2000.
Acompanhe um trecho da letra:
“A solidão há de o matar
Antes da morte chegar
Faz do tempo um ser fatal
É a solidão mortal”.

Outra faixa de destaque é a instrumental “Incitatus”, a canção faz referência ao cavalo do imperador de Roma Calígula. Segundo a história o extravagante imperador dividia sua comida e até mesmo sua cama com o cavalo. Porém a faixa que mais se destacou (tornando-se o Hino do Heavy Metal paulista na época), foi a icônica “Salém a cidade das bruxas”.
A faixa discorre sobre os reais acontecimentos ocorridos no ano de 1692 na cidade de Salém. Localizada no Estado americano de Massachusetts, no Condado de Essex, Salém ficou famosa depois que 200 pessoas foram acusadas de bruxaria, no qual 20 delas acabaram sendo executadas em consequência destas acusações.
A História
No período do século XVII em Massachusetts, muitas pessoas temiam que o Diabo adentra-se em sua comunidade e destruísse seus preceitos cristão. Além deste medo constante, um incomodo ainda maior (a meu ver), estava ligado a uma série de fatores políticos e econômicos, sem contar as epidemias de varíola, a quase que descontrolável rivalidade entre famílias dentro da Colônia, além de ameaças diárias por parte de tribos nativas vizinhas.
Foi sob este verniz de medo e crise que em janeiro de 1692 um dos períodos mais obscuros da história América começou a tomar forma. Quando a jovem Abigail Williams de 11 anos de idade mais sua prima Betty Parris de 9 anos adoeceram, tudo começou!
A tal doença era composta por comportamentos nada comuns. As meninas as vezes ficavam mudas, paralisadas, em alguns momentos pareciam ser sufocadas por uma força invisível, além de alegarem ter seus corpos puxados e torcidos contra a sua vontade. Desesperado, o pai de Betty e também reverendo Samuel Parris procurou ajuda médica, e para o espanto de todos, o veredito do doutor foi estarrecedor, as crianças estavam enfeitiçadas pelo Diabo!
Logo a notícia se espalhou e outras duas meninas de Salém – Ann Putnam Jr e Elizabeth Hubbard – começaram a apresentar os mesmos sintomas. Orações e jejuns comunitários foram organizados pelo Reverendo, porém sem nenhum resultado. Depois de muita pressão as meninas apontaram três mulheres: Tituba (índia escrava do Reverendo Parris), Sarah Good e Sarah Osborne como as responsáveis pela fonte de suas aflições. Tituba a princípio negou ser uma bruxa, mais a pressão e principalmente o teatro das meninas acabaram fazendo a escrava “confessar” seu “crime”.
Tituba quando cuidava das meninas contava para as garotas histórias de sua cultura natal, a escrava narrava acontecimentos pessoais e também coisas sobre a religião de seu povo, que incluía magias e vodu. Apesar de ser muito comum para ela, isso talvez tenham influenciado negativamente as meninas, que impressionadas, acabaram ligando os relatos de sua cuidadora ao mal que sofriam no momento.
Sofrendo muito com a pressão, além dos desgastes físicos e morais impostos pelo júri, Tituba cedeu e concordou que era culpada por causar danos às meninas por intermédio da magia negra, e que só fez isso a mando de Sarah Good e Sarah Osborne.
Depois de muitas confusões e vários dias de “julgamento”, o número de meninas com os mesmos sintomas aumentou, sem contar que várias outras pessoas foram acusadas de bruxaria. Muitos afirmavam sofrer acusações por pura e simples rivalidade pessoal. Numerosas teorias sugerem que as meninas estavam sofrendo de epilepsia, doença mental, abuso infantil, ou delírio provocado pela ingestão de centeio infectado com algum fungo.
O fato é que muitas pessoas foram enforcadas jurando nem mesmo saber o que é uma bruxa. Os julgamentos eram baseados apenas nas acusações das meninas, sem provas, se a pessoa acusada simplesmente olhava para as meninas, eles caíam em ataques, choravam e começavam a se contorcer, a cena extravagante acabava servindo de prova.
Os julgamentos só tiveram fim quando o uso da prova espectral (evidências baseadas em sonhos e visões), foi declarado inadmissível. Vale ressaltar que esses julgamentos tinham como base os mesmos princípios usados pela “santa” inquisição. As torturas e os tramites dos julgamentos eram todos sustentados pelo Malleus Maleficarum.
Criado em 1486 por dois membros da ordem dominicana e inquisidores da Igreja Católica, H. Kramer e Jacob Sprenger, o Malleus Maleficarum servia de guia para o inquisidor. O livro é praticamente um manual de como reconhecer, julgar e punir uma bruxa. Durante 4 séculos este livro foi oficialmente o manual para a caças as bruxas, condenou à morte e tortura mais de 100 mil mulheres sob o absurdo pretexto de serem bruxas.

Confira a lista com os acusados e suas respectivas sentenças:
Considerados culpados e executados:


Bridget Bishop (10 de junho de 1692)
Sarah Good (19 de julho de 1692)
Elizabeth Howe (19 de julho de 1692)
Susannah Martin (19 de julho de 1692)
Rebecca Nurse (19 de julho de 1692)
Sarah Wildes (19 de Julho , 1692)
George Burroughs (19 de agosto de 1692)
Martha Carrier (19 de agosto de 1692)
John Willard ( 19 de agosto de 1692)
George Jacobs  (19 de agosto de 1692)
John Proctor (19 de agosto de 1692)
Alice Parker (22 de setembro , 1692)
Mary Parker (22 de setembro de 1692)
Ann Pudeator (22 de setembro de 1692)
Wilmot Redd (22 de setembro de 1692)
Margaret Scott (22 de setembro de 1692)
Samuel Wardwell (22 de setembro de 1692)
Martha Corey (22 de setembro, 1692)
Mary Easty (22 de setembro de 1692)
Recusou-se a fazer um acordo e foi torturado até a morte:
Giles Corey (19 de setembro de 1692)
Resenha da faixa
Logo no início da canção Jack Santiago canta a ambientação lírica da faixa:
“Meados de 1692;
Trinta e quatro pessoas são executadas;
A acusação… feitiçaria;
Cidade… Salém…”
A faixa menciona que foram 34 pessoas executas, entretanto, como pudemos ver nesta matéria, foram executadas 19 pessoas por enforcamento e uma por tortura. A questão é que Salém era dividida em duas partes, “Vila de Salém” (que ficava próxima a baia, onde eram tratados assuntos comerciais), e “Aldeia de Salém” (que era bem afastada e cuidava da agricultura). O caso mencionado aconteceu na Aldeia de Salém, porém, tempos depois alguns pesquisadores sugeriram que na Vila de Salém mais bruxas teriam sido executadas, aumentando o número de mortes para 34, mais isso não passa de especulação.
Musicalmente a faixa é um Heavy Metal tradicional cantado em português e coberto de riffs viciantes. O canto na introdução traz junto da voz principal um gutural distorcido, dando a canção um ar sombrio e pragmático.
Não posso deixar de citar também a pegada firme de bateria que acompanha os interlúdios com ótimas viradas, e claro, o forte solo de baixo cravado aos 5:00 minutos de música.

A letra de” Salém a cidade das bruxas”, não narra de forma didática os acontecimentos ocorridos na cidade, mais sim faz menções do acontecido frisando a estigma do local. Hoje em dia Salém realmente tornou-se oficialmente a cidade das bruxas, com vários seguidores da Wicca residindo no local, inclusive Laurie Cabot, que foi declarada pelo governador Michael Dukakis como a bruxa oficial de Salém.
Line-Up:
Jack Santiago (vocal)
Marcos Patriota (guitarra)
Hélcio Aguirra (guitarra)
Ricardo Ravache (baixo)
Tibério Corrêa (bateria)
Track-List
 Harpago
Salém (A Cidade das Bruxas)
Náufrago
A Ferro e Fogo
Incitatus
Asas Cortadas

Fontes:
All about History – Issue 36, 2016. Salem Witch Trials – The real story behind the Crucible by Willow Winsham.

Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas) http://www.malleusmaleficarum.org/