segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Sepultura: Anthony Burgess e o disco A-Lex


Variadas expressões artísticas são exprimidas com mãos caprichosas e muitas vezes contestadoras, obras que nos fazem questionar o mundo e observar o mesmo através de uma perspectiva, digamos, diferenciada.
O Heavy Metal sempre buscou esse verniz, inclusive usando obras consagradas para exemplificar sua postura. Um exemplo é o disco A-Lex do Sepultura (2009) que narra a história de “Laranja Mecânica” (A Clockwork Orange, 1962) escrita por Anthony Burgess.
Ao lado de obras como: “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley, “1984” de George Orwell e “Fahrenheit 451” de Ray Bradbury, “Laranja Mecânica” e considerado um dos maiores clássicos da literatura distópica, sendo este o livro mais conhecido e mencionado de Burgess, tanto que em 26 de abril de 1972 ganhou uma incrível versão para o cinema, adaptado, produzido e dirigido por Stanley Kubrick.
O filme foi tão significativo e forte que percorreu o globo, tornando-se referência no cinema mundial. A película, mesmo tendo alguns detalhes diferente do livro, é bem fiel ao enredo original, conseguindo passar com bastante honestidade o sentimento expressado pela escrita de Burgess.

A história de “Laranja Mecânica”, tanto no livro quanto no filme, é narrada em primeira pessoa pelo protagonista e anti-herói Alex de 15 anos de idade. Admirador de música clássica, principalmente Ludwig van Beethoven, Alex relata sua trajetória como líder de uma gangue de delinquentes que roubam, estupram e assassinam, até o cume de sua prisão e participação (como cobaia) num experimento chamado “Tratamento Ludovico”, criado pelo governo com o intuito de refrear os impulsos destrutivos dos delinquentes.

O Sepultura trouxe um trabalho pesado e cadenciado, dividindo o mesmo em quatro capítulos (de ‘Alex I’ a ‘Alex IV’) todas com uma breve introdução climática. Os três primeiros falam do enredo conhecido na adaptação de Kubrick, já o quarto (e último) apresenta um desfecho que não foi mostrado no filme, onde Alex retorna à sociedade, reencontra seus velhos amigos, casa-se e começa uma família segundo sua própria escolha e vontade, contrariando o que o governo tinha estabelecido através do “Tratamento Ludovico”.
O grupo conseguiu com muita maestria colocar o ouvinte dentro da obra de Burgess, usando para isso elementos típicos do livro, como por exemplo a inclusão do dialeto “Nadsat” criado por Burgess e usado por Alex e seus comparsas durante toda sua jornada. Um exemplo é a faixa “Moloko Mesto” (lugar do leite), Moloko é uma bebida feita de leite e entorpecentes que era usado como combustível para o desejo de violência dos Druguis (amigos).

No filme Alex se mostra admirador de Ludwig Van Beethoven, Já no livro, o protagonista ama música clássica e erudita num geral, inclusive dedicando paixão por Mozart e Bach. Anthony Burgess também era compositor, portanto sabia muito bem expressar o que sentia diante de músicas complexas, essa sensibilidade pode ser notada em uma de suas composições chamada “Blooms of Dublin”.

A parte musical existente na trama também foi retratada com bastante capricho pelo Sepultura em seu disco. A faixa “Ludwig Van” tem como base a Sinfonia nº 9 de Beethoven, misturando o som da orquestra com o peso típico da banda, representando (mesmo que sem intenção) um trecho mediúnico e visionário do livro, onde Alex, num momento de êxtase musical, em meio ao concerto para violino do American Geoffrey Plautus, praticamente dá origem ao termo “Heavy Metal”:
 “Ah, era a maravilha das maravilhas. E então, um pássaro feito do mais raro HEAVENMETAL, ou tipo assim vinho prateado fluindo numa espaçonave – a gravidade agora não fazia o menor sentido – veio o solo de violino acima de todas as outras cordas, e essas cordas eram como uma gaiola de seda ao redor da minha cama.” (Burgess, Anthony. Laranja Mecânica pg.35)

O Sepultura, assim como Kubrick, conseguiu trazer para seu trabalho o clima pesado e crítico do livro, onde momentos filosóficos são apresentados junto a uma brutalidade ríspida e crua. A ideia simbólica da “Laranja Mecânica”, que tem a aparência de um organismo adorável, com cor e suco, mas que na realidade é um brinquedo mecânico para ser manipulado para o bem ou para o mal, foi muito bem retratado através das 18 faixas de A-lex.
A exemplo do filme, onde Kubrick (mesmo que de improviso) compôs a famosa cena do estupro, onde Alex canta e dança “Singin’ in the Rain”, o Sepultura trouxe para seu trabalho uma ideia criativa e diferenciada em relação ao título do disco, fazendo um trocadilho com o nome de Alex, separando o “A” do “Lex” para formar a frase em latim “Sem Lei”.

Se nunca leu, assistiu ou ouviu falar de “Laranja Mecânica”, corra atrás desta obra e use como trilha sonora o A-Lex do Sepultura, pois o álbum conseguiu transmitir com bastante expressividade a ideia principal do livro, onde cada indivíduo deve ser livre dentro si, e dono de sua própria vontade e escolha, pois vale muito mais a pena ser “mau” por escolha, do que “bonzinho” por obrigação.

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