quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Megadeth: análise temática do álbum “Rust In Peace”


A história do Heavy Metal é repleta de capítulos fenomenais. Nos primórdios, quando ainda chamávamos esse estilo de Rock ’n’ Roll, os padrões comportados de nossa sociedade ficaram chocados com a forma libertária e por vezes provocativa no qual o Rock destilava suas músicas. Os anos foram passando, o som foi evoluindo, e os velhos problemas e temas já não eram os mesmos, porém, muitos deles se transformaram, assim como o próprio Rock. Hoje em dia, o estilo tem muitas ramificações e nomes, tematicamente ainda carrega as mesmas críticas de outrora, a diferença é que agora ela corrobora junto a propagação de conhecimento e apego culturais.
Lançado em 24 de setembro de 1990 “Rust In Peace”, do Megadeth, veio repleto deste tipo de crítica e conhecimento. Religião, guerra, política e problemas sociais são muito bem pintados através do conceito pessoal de Dave Mustaine. O álbum em questão nos presenteia com temas carregados e um instrumental pra lá de inspirado e técnico. O disco ganhou platina em 1994, além de indicações ao Grammy em 1991 e 1992 por “Melhor Performance de Metal”.
 A superioridade técnica e temática de “Rust In Peace” são muito bem retratadas através das nove faixas existentes no álbum, tanto que tais músicas colocaram o Megadeth no apogeu cultural do Heavy Metal. Vamos então adentrar um pouco no tema de cada faixa desta insana obra de arte.
Holy Wars… The Punishment Due
O álbum abre com a clássica “Holy Wars… The Punishment Due”. Instrumentalmente a faixa é estupenda e destila muita técnica e sentimento. O cromatismo usado por Mustaine é de uma pegada estonteante e viciante. A letra fala sobre as chamadas “guerras santas”, estas que há anos dividem países e usurpam vidas, principalmente entre o povo de Israel e Palestina. Apesar de não ter nada de santa numa guerra, conflitos internos e políticos sempre são triplicados quando se coloca a religião na equação. “Holy Wars… The Punishment Due” faz uma ótima analogia em torno dessa ideia, mostrando o quanto é alienante e perigoso transformar o púlpito em um palanque.
Hangar 18
Com um riff inicial empolgante e marcante, a exuberante “Hangar 18” se porta extremamente técnica e objetiva. A faixa contém onze solos em pouco mais de cinco minutos. Tecnicamente falando, podemos dividir a canção em três partes dentro do campo harmônico de ré menor. Na primeira parte, temos o riff da introdução; na segunda parte, inicia-se então o canto acompanhado de quatro pequenos solos; e para finalizar, na terceira parte, a faixa se torna praticamente instrumental, com sete solos intercalados por pesadíssimos interlúdios.
A letra de “Hangar 18” é uma insinuação a famosa Área 51, e também a existência de alienígenas no complexo. A chamada Área 51 é uma área militar restrita no deserto de Nevada, próxima ao Groom Lake, Estados Unidos. Ela é tão secreta que o governo estadunidense só admitiu sua existência oficialmente em 1994, porém, com muitas restrições.


Take No Prisoners
Com um riff potente acompanhado por uma bateria muito bem composta por Nick Menza, “Take No Prisoner” tem seu enredo baseado em guerras. A faixa faz claras menções à Batalha da Normandia, que ocorreu em 6 de junho de 1944, onde aliados ocidentais deram início a uma operação chamada “Overlord”. Estados Unidos, Reino Unido e França Livre tinham como objetivo livrar a França do domínio alemão. A invasão da Normandia até hoje é considerada a maior invasão marítima da história.

A faixa num todo faz críticas indiretas à guerras, citando inclusive um trecho do lema do Grande Irmão (personagem do livro 1984 de George Orwell), que dizia: “Guerra é paz”. Outra frase famosa, que neste caso acabou sendo invertida na música, fica por conta de John F. Kennedy: “não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país”.
Five Magics
Com um baixo muito climático, “Five Magics” destila muita peculiaridade e nos remete aos tempos áureos da magia. Com pouco mais de dois minutos de introdução, a faixa descreve um homem que anseia e acaba conseguindo dominar as cinco magias: alquimia, bruxaria, feitiçaria, termatologia e eletricidade.
A magia sempre foi muito estudada e por vezes ligada a ciência, tanto que antigamente era chamada de “Grande Ciência Sagrada”. A primeira mágica citada por Mustaine é a alquimia, esta que na verdade era a química da Idade Média, que procurava (assim como a ciência atual), descobrir a cura para todos os males, tanto físicos quanto morais. A alquimia também tentava criar a chamada “pedra filosofal”, que transformaria qualquer metal em ouro.
Na sequência, temos a bruxaria e a feitiçaria, ambas as artes são ligadas uma a outra, porém a bruxaria tem um cunho religioso, já a feitiçaria, que por sua vez tem como intuito interferir no estado mental, “astral”, físico e/ou perceptivo da realidade, não tem necessariamente essa ligação religiosa. Tanto o bruxo, como o feiticeiro executam magias (incluindo, claro, a feitiçaria). A diferença é que o bruxo reverencia um deus, deusa, deuses ou deusas.
A termatologia mencionada na música como a quarta magia é o uso do calor como remédio ou terapia médica. O termo é também chamado de “termo-terapia”.  A termo-terapia é usada no tratamento das doenças articulares pela aplicação do calor, tanto superficialmente como profundamente.
Para finalizar, temos a eletricidade. Curiosamente, a eletricidade no princípio foi ligada a magia e ao sobrenatural. Sua descoberta foi feita por um filósofo grego chamado Tales de Mileto que, ao esfregar um âmbar a um pedaço de pele de carneiro, observou que pedaços de palha e ciscos de madeira começaram a ser atraídas pelo âmbar.
Nikola Tesla (que, entre as suas contribuições para a humanidade, temos:  os sistemas de potência elétrica em corrente alternada, sistemas polifásicos de distribuição de energia, o efeito Tesla de transmissão sem fio de energia, a robótica, o controle remoto, o radar, a ciência computacional e a balística), era considerado um verdadeiro mago em sua época. Tesla viajou para os Estados Unidos e toda a Europa demostrando suas teorias e invenções. Ele era famoso por fazer demonstrações artísticas, agindo quase como um mágico. Tesla que era conhecido como “o mestre dos raios”, se negava a palestrar caso não tivesse presente na sala sua bobina emitindo raios.

Poison Was The Cure
Não é segredo pra ninguém que Dave Mustaine sempre teve problemas com drogas (inclusive já foi preso portando oito tipos de drogas injetáveis). Apesar de hoje em dia esse problema não fazer parte do cotidiano do músico, várias músicas do Megadeth com certeza foram compostas através de influencias químicas. “Poison Was The Cure”, que tem uma introdução de baixo bem densa e criativa, retrata de forma artística os problemas que o frontman tinha com o vício da heroína. De uma forma representativa, Mustaine usa uma serpente para simbolizar a droga que corria em sua veia.
Lucretia
Com um riff inspiradíssimo, “Lucretia” (Lucrécia), traz excelentes solos e um clima carregado e narrativo. A música fala sobre um suposto fantasma que vive no sótão da casa de Dave Mustaine. No início da canção, uma risada estranha dá as boas-vindas à faixa. Seria essa a risada de Lucrécia?
Na história da humanidade tivemos duas figuras famosas chamadas Lucrécia: uma foi Lucrécia Bórgia, esta que foi a filha ilegítima de Rodrigo Bórgia, importante personagem italiano do Renascimento, que viria a se tornar o papa Alexandre VI, e a Lucrécia de Roma, que foi uma lendária dama romana, filha de Espúrio Lucrécio Tricipitino, prefeito de Roma, e mulher de Lúcio Tarquínio Colatino.

Tornado of Souls
“Tornado of Souls” é simplesmente impecável – riff, base, solos e linhas vocais excelentes compõem com grandeza essa obra que se tornou um clássico absoluto do Megadeth. A letra retrata o momento emocional de Mustaine após o termino com sua noiva Diana, com quem aliás ficou junto por seis anos. De forma extremamente rancorosa e por vezes aliviada, a canção traz frases como: “mas agora eu estou salvo no olho do tornado” e “você não se esquecerá dos meus lábios/ você sentirá minha respiração fria, é o beijo da morte”.
Dawn Patrol
Com uma ótima introdução de baixo criada por Ellefson, e letras declamadas ao invés de cantadas, a oitava música do álbum trata de forma contundente o problema da destruição ambiental causada pelo aquecimento global e também como seria nossa vida caso passássemos por uma guerra nuclear. “Dawn Patrol” é quase que uma introdução para a faixa de encerramento do disco.
Rust In Peace… Polaris
A última música do disco encerra com grandeza o clássico álbum. É desnecessário frisar a qualidade técnica da faixa, visto que isso é uma constante durante o disco todo. A temática, que mais uma vez fala sobre guerra nuclear, ocorreu a Mustaine quando ele estava dirigindo pra casa vindo da cidade de Lake Elsinore, Califórnia, quando reparou num veículo que seguia a frente. No para-choque tinha um adesivo que dizia o seguinte: “tomara que todas as ogivas nucleares enferrujem em paz”. Imaginou então aquelas velhas ogivas estocadas numa praia qualquer com crianças fazendo pichação nelas. O nome original da música seria “Child Sin”, e Dave a compôs ainda quando estava no Metallica, porém, somente em 1990 a canção saiu da gaveta. (Fonte: Site Megadeth Brasil).
Para se entender melhor a canção, é preciso saber que na época do lançamento do álbum existia um acordo entre as potências mundiais sobre o desarmamento nuclear. Aliás, há uma ótima alusão a isso na capa do disco. A arte da capa que foi elaborada pelo artista Ed Repka, conta com o mascote do Megadeth, Vic Rattlehead, mais os cinco líderes da chamada “five major world powers”, do início dos anos noventa. Os cinco líderes representados na capa são os seguintes: o ex-primeiro ministro britânico John Major, o ex-primeiro ministro japonês Toshiki Kaifu, o ex-presidente da Alemanha Richard von Weizsäcker, o ex-secretário geral da União Soviética Mikhail Gorbachev, e o ex-presidente dos Estados Unidos George H. W. Bush.

A música é dividida em duas partes: a primeira chamada “Rust In Peace”, e a segunda “Polaris”. “Polaris” foi o nome do primeiro projeto SLBM (Submarine-Launched Ballistic Missile – Míssil Balístico de Lançamento Submarino), liberado pela marinha estadunidense. Financiado e desenvolvido por volta dos anos 50 durante a Guerra Fria e tendo como intuito substituir o antigo míssil Regulus, tornou-se uma das mais importantes contribuições bélicas para os EUA desde então.

Se tem um disco que podemos considerar o Magnum Opus do Megadeth, com certeza ele é o “Rust In Peace”. Muitos, aliás, julgam essa obra como sendo a melhor de toda história do Thrash Metal, ao lado de “Master of Puppets” do Metallica, “Reign In Blood” do Slayer e “Among The Living” do Anthrax.
“Rust In Peace” é um quadro pintado com o mais alto nível de técnica, suas cores transpassam expressões fortes e de apego emocionais, causando inveja aos mais egocêntricos e orgulho aos mais observadores, além de servir de refúgio cultural aos admiradores da verdadeira arte chamada Heavy Metal.
Formação:Dave Mustaine (vocal, guitarra);
Marty Friedman (guitarra);
David Ellefson (baixo);
Nick Menza (bateria).


Malefactor: o contexto histórico existente na faixa “300 From Sparta”



O Malefactor lançou em 2003 um expressivo álbum intitulado “Barbarian”. O disco foi produzido por Jerônimo Cravo e conta com músicas pesadas e técnicas, destilando um Death/Black Metal digno de atenção, visto o capricho nas composições. “Echoes of Lemuria”, “Barbarian Wrath” e “Followers of The Fallen” são uns dos excelentes destaques. Ele ainda conta com um brutal cover da canção “A Touch Of Evil”, do Judas Priest, porém, em particular, hoje falarei da marcante faixa “300 From Sparta”.
A canção de pouco mais de quatro minutos retrata de forma musical a real batalha no desfiladeiro das Termópilas, entre gregos e persas. O confronto aconteceu por volta de agosto em 480 a. C. e ficou conhecido como a Segunda Guerra Médica.
A invasão, que partiu dos persas, foi um tipo de “resposta” contra a Primeira Guerra Médica, vencida pelos atenienses na batalha de Maratona. Xerxes, o então rei persa, que dispunha de um numeroso exército além de uma temida marinha, partiu então para sua ambiciosa “conquista”, porém, em resposta à iminente invasão, um general ateniense chamado Temístocles propôs que os aliados gregos anulassem o avanço do exército Persa em Termópilas, enquanto outros bloqueavam o avanço da marinha de Xerxes no estreito de Artemísio.

A aliança entre as pólis Gregas, deu a Esparta o comando da batalha, porém, devido a uns empecilhos burocráticos e religiosos, Leônidas, rei e general espartano, não pôde levar seu exército para a batalha. Sendo assim, Leônidas, que sabia da importância do combate, juntou sua guarda pessoal de 300 homens e partiu rumo ao estreito de Termópilas, com o intuito de retardar o avanço persa.
O exército de Leônidas dispunha de uma técnica de formação chamada “falange” (Phalanx), onde os soldados eram alinhados em colunas coesas, protegidos por escudos e lanças apontadas para frente. A falange era praticamente uma barreira virtual intransponível. Essa força, junto ao terreno estreito de Termópilas, anularia a vantagem numérica de Xerxes. Leônidas, além de seus bravos 300, também contava com o apoio de 7.000 soldados formados por aliados gregos. Xerxes, por sua vez, administrava uma massa colossal com mais de 300 mil homens.
Xerxes esperou quatro dias pela desistência dos espartanos devido sua minoria, porém, quando viu que ninguém estava disposto a sair de lá sem antes lutar, ordenou então um ataque. Durante a batalha, a falange espartana se portou intransponível. A técnica superior, somada à vantagem do terreno, acabou por dar uma incrível vitória aos 300 espartanos. Humilhado, Xerxes manda no segundo dia de luta seus melhores soldados: a elite persa denominada “Imortais”.
Mas a falange espartana mais uma vez se mostrou superior. Os soldados da elite persa caíram um a um, e mais uma vez, Xerxes observa seus soldados serem massacrados por “míseros” 300 homens. Ali, sobre o manto da derrota e da vergonha, Xerxes é agraciado com uma informação que daria fim ao exército de Leônidas: Ephialtes, um dos gregos, desertou para o lado persa e informou Xerxes de uma passagem alternativa por Termópilas. A passagem era uma antiga trilha de bodes. Sendo assim, os espartanos foram cercados e arrastados para uma pequena montanha, onde, enfim, foram mortos.
A música do Malefactor começa com um pequeno solo de bateria (detalhe para o efeito de ‘flanger’ no instrumento), então, um riff potente junto a um tapete de teclados climáticos enchem o ar, dando um toque grandioso a faixa. Após a mudança de ritmo, o canto se inicia de forma expressiva e por vezes narrativa, até explodir em um espetacular pré-refrão. A faixa descreve alguns dos acontecimentos históricos em Termópilas, e um exemplo é o trecho que cita o mês da batalha: “agora é agosto, a lua cheia está brilhando para nós, Xerxes está sorrindo”.
A bravura dos 300 de Esparta conseguiu causar um grande impacto sob as tropas de Xerxes, enfraquecendo vigorosamente a força invasora, tanto que, nas batalhas posteriores, os persas foram facilmente derrotados, tanto em terra quando em mar.
Existem alguns filmes que retratam esses acontecimentos. Um deles é “Os 300 de Esparta”, lançado em 1962. Contudo, creio que o mais conhecido por nossa geração seja o famoso “300”, lançado em 2007, co-escrito e dirigido por Zack Snyder, que trazia Gerard Butler no papel do rei Leônidas.

O filme recebeu críticas mistas. Alguns, aliás, acusam a obra de ser caricata. Porém, isso é devido a fonte “gráfica” usada por Snyder. O filme foi totalmente inspirado visualmente nas HQ’s de Frank Miller lançadas em 1998.
Compare algumas cenas:

A história dos 300 destila toda a perseverança e coragem em nome da liberdade. Leônidas e seus bravos 300 provaram para o mundo que a opressão e o misticismo podem sim ser combatidos de forma contundentes. Ali, no estreito de Termópilas, a história registrou uma batalha onde homens livres enfrentaram um poderoso tirano, que poucos enfrentaram muitos, e no fim, até mesmo um “deus rei” sangrou pela lança da esperança.
Vale muito apena conferir o disco “Barbarian” do Malefactor, e principalmente mergulhar entre os acordes de “300 From Sparta”, pois músicas assim são praticamente uma aula de história.