domingo, 31 de julho de 2016

Pink Floyd: a relação entre “Animal” e a obra de George Orwell


O Pink Floyd sempre bebeu do rio furtivo da filosofia. Músicas complexas e profundas são expressadas com mãos poéticas pela banda. Dinheiro, ambição, guerra, egoísmo, loucura e política são uns dos temas abordados de forma contundente pelos músicos.
Claro que, para isso, as bases literárias formam o alicerce de seus incríveis álbuns. Um exemplo é o disco “Animal”, de 1977, que foi totalmente inspirado pela obra do escritor George Orwell “Animal Farm”, publicada em 1945.
O livro de George Orwell retrata de forma “alegórica” uma revolução provinda dos animais de uma fazenda. A revolução é arquitetada por um velho porco chamado Major. A intenção do Major era que os animais fossem governados por eles próprios e não pelos humanos que os exploravam. Após a morte do Major, os porcos Napoleão e Bola-de-Neve tomam frente da revolução e expulsam os proprietários da fazenda. A partir daí, os animais passam por um período de prosperidade e bonança, porém, com a ajuda de seu “braço-direito”, Garganta, Napoleão faz acusações sobre a administração de Bola-de-Neve e com a ajuda de nove cachorros o expulsa da fazenda.
Com o comando da fazenda em suas “patas”, Napoleão começa a exercer um pesado regime de produção, explorando ainda mais os animas, tudo em troca de poucas quantidades de ração. Napoleão então passa a morar na residência dos ex- proprietário, estabelece comércio com os agricultores da região e, numa atitude bizarra, começa a andar em duas patas, fato que faz com que os outros animais não mais consigam diferenciar os porcos dos humanos.
O enredo e principalmente os personagens de a “Revolução dos Bichos” fazem um expressivo paralelo com grandes ícones da Revolução Russa de 1917.
Vamos a alguns deles:
Sr. Jones
O primeiro personagem que nos é apresentado é Sr. Jones. O fazendeiro dono da Granja do Solar é cruel com os animais, chicoteando-os e por vezes, deixando os com fome. Assim, como o último czar russo, Nicolau II. O czar foi considerado um líder anêmico e brutal com seus opositores.
Major
Ao cair da noite na fazenda, uma reunião dos bichos acontece e surge então o porco Major. Premiado e respeitado por todos os bichos, o velho porco expressa seus desejos de dias melhores para todos os animais e explica o animalismo para os animais. Major dizia que os animais trabalhavam e os humanos quem gozavam dos benefícios desse trabalho. Por isso, o porco incita uma revolta para que todos os “trabalhadores” possam ter uma vida melhor. Major apresenta um discurso alusivo de Karl Marx e o socialismo científico. Além disso, lembra Lênin, o idealista do início da Revolução Russa.
Bola-de-Neve
Como Major morre antes da revolta acontecer, dois porcos tomam a frente: Napoleão e Bola-de-Neve. Bola-de-Neve é, assim como Major, idealista e inteligente. Este pode ser comparado a Trotski, um dos líderes da Revolução de Outubro, que seguia a risca os ensinamentos de Marx.
Napoleão
De caráter bem mais agressivo e egoísta, não era tão inteligente ou bom orador como Bola-de-Neve e, por isso, arma um golpe com ajuda de nove cachorros ferozes. Obriga Bola-de-Neve a se exilar e, à custa de muita propaganda, transforma-o em inimigo da Granja dos Bichos. Napoleão é uma representação de Stalin: não seguia os ideais socialistas – sua ambição pelo poder lhe fez corrupto. Usou a KGB/cães, além de permitir a volta da igreja ortodoxa/Moisés, para manter o povo sob controle.
Garganta
Napoleão, assim como Stalin, usou do culto a personalidade para se afirmar no poder. Por não ser bom orador, usou da figura de Garganta para convencer os animais que Napoleão era um líder bondoso e corajoso. Sem ética alguma, Garganta manipulou os mandamentos do animalismo para beneficiar Napoleão, se aproveitando que grande parte dos bichos era analfabeta. Garganta representa o departamento de propaganda de Stalin que durante o governo, usou de mentiras para manter a imagem de líder.
Cachorros
Além de Garganta, o controle é mantido com o uso de cachorros. Esses eram responsáveis de oprimir os oponentes de Napoleão. Assim como a KGB, a polícia secreta de Stalin, utilizavam da força bruta para controlar o povo e eram totalmente leais ao governante.
Bichos:
Sansão, cavalo forte e trabalhador, se mantém fiel a Napoleão sem questionar e no fim, se vê traído por ele. As ovelhas, que repetem, sem entender, os lemas e canções em ode a Napoleão.As galinhas, que não se concentram em nada. E Benjamin, o burro sábio que suspeitava da Revolução e garantia que nada iria mudar.
Fonte da descrição dos personagens: Clara Rodrigues – estudante de Jornalismo do 5º período da PUC-Rio.
No álbum, o enredo se desdobra através de cinco músicas: “Pigs On The Wing – Part 1”, “Dogs”, “Pigs (Three Different Ones)”, “Sheep” e “Pigs On The Wing – Part 2”.
Apesar de ser abertamente baseado no livro de Orwell, o álbum não se prende a ele. Não usa o enredo literalmente e sim faz um paralelo com ele. Waters expressa de forma genial seu escarro contra a sociedade capitalista e seus dominadores, estes que oprimem os menos capacitados.
Em “Pigs On The Wings Part 1”, Waters faz uma “previsão”. Caso não se importasse com sua esposa (Caroline), e vice-versa, os dois por consequência viveriam no absoluto tédio e dor, onde apenas observariam a porcos voando.
Na próxima canção “Dogs”, Waters usa o animal para descrever os burgueses, logo de cara Gilmour dá conselhos a um homem sobre o mundo dos negócios, ali em forma de metáfora, ele acaba comparando o sujeito com um cachorro.
Assim como no livro, Waters usa na música “Pigs (Three Different Ones)” a ideia de que porcos dominam os outros animais. Sendo assim, ele elege três tipos de porcos. O primeiro porco representa o homem capitalista, o segundo porco representa Margareth Thatcher. Em 1977 (ano de lançamento do álbum), Thatcher era líder do Partido Conservador do Reino Unido. O terceiro porco é Mary Whitehouse. Mary foi uma ativista britânica conservadora e extremamente cristã que defendia a censura de material que contivesse cenas de sexo, violência e qualquer coisa ligada a grupos sociais referente as causas homossexuais.
As ovelhas sempre foram usadas como símbolo de submissão por parte de alguns pensadores. Waters também usou essa representação na música “Sheep”, os termos “submisso” e “obediente” são expostos sem pautas na música. Uma parte interessante gira em torno do salmo 23 da Bíblia; o trecho é uma clara crítica à Igreja pela forma cujo a qual  usa a religiosidade para criar submissão.
O desfecho do álbum “Pigs On The Wings – Part 2” tem os mesmos padrões da primeira parte, porém, nessa música, Waters afirma saber que sua esposa se importa com ele e ele por ela, portanto, nunca se sentirá sozinho. O contexto demostra ele como um cachorro, se sentindo seguro pois sabe que pode esconder seu osso num abrigo contra porcos.
“Animals” é um disco fantástico que carrega algo mais que músicas, despejando de modo ácido críticas, história e política. Se nunca ouviu o álbum ou mesmo nunca leu “A Revolução dos Bichos”, fica a dica, pois álbuns assim transformam o Rock em algo único dentro da arte.


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