segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Iron Maiden: análise temática do álbum “The Book of Souls” (Parte 2)


Dando continuidade à análise temática do álbum “The Book of Souls”, do Iron Maiden, vamos visitar agora o tema faixa a faixa do segundo disco desta magnífica obra de arte.

Death Or Glory
Escrita por Adrian Smith e Bruce Dickinson, “Death Or Glory” abre o segundo disco do álbum trazendo uma incrível homenagem ao piloto alemão Manfred Von Richthofen.

Nascido em 2 de maio de 1892 na cidade de Breslau (Breslávia), na Alemanha (atualmente Wrocław, Polônia), Richthofen foi um notório piloto de caça que atuou durante a segunda guerra mundial, chegando a somar a imbatível marca de oitenta vitórias. Richthofen pilotava um triplano vermelho (Fokker DR.1), e por deter o título de “Freiherr” (“Senhor Livre”), uma posição nobre traduzida como “barão”, ganhou o significativo apelido de “Barão Vermelho”, com o qual ficou mundialmente conhecido.

A técnica de combate do Barão era incrível, Richthofen posicionava seu avião entre o oponente e os raios solares, dificultando assim a visibilidade de seu inimigo e facilitando seu disparo fatal. Orgulhoso, o piloto descrevia seus movimentos da seguinte forma: “Meu avião escala os ares como um macaco e gira como um diabo”. Na letra de Bruce Dickinson essa técnica, e afirmação, são descritas no pré-refão da canção: “Turn like the devil, shoot straight from the sun / Climb like a monkey out of hell where I belong” (Giro como um diabo, disparo em linha reta para sol/ Escalo como um macaco para fora do inferno onde eu pertenço).
Recentemente, a banda lançou um excelente vídeo ao vivo para a música que traz uma divertida “imitação” de Bruce Dickinson, que gesticula junto ao público como sendo um macaco, descrevendo de forma criativa e caricata a técnica avassaladora do Barão Vermelho.
Confira o lindo vídeo da canção:

Logo no início da faixa a letra narra: “Levo uma bala em meu cérebro, dentro de mim, eu sou o rei da dor” (00:47). Essa parte da letra é referente ao tiro que o piloto levou em julho de 1917. Aliás, muitos julgam que a imprudência (e morte) do Barão em sua última batalha foram devido ao projetil alojado em sua cabeça, este que o limitou desde então. Richthofen morreu em combate no dia 21 de abril em 1918 próximo a Amiens, na França. A causa de sua morte foi um tiro fatal no coração.
Shadows of The Valley
“Shadows of The Valley” é uma das músicas mais ambíguas do Iron Maiden, abrindo vários caminhos para interpretações e deduções. Muitos dizem que a faixa foi baseada, assim como a música “The Pilgrin” do álbum “A Matter of Life and Death”, no livro “The Pilgrim’s Progress From This World To That Which Is To Come”, do autor britânico John Bunyan.
Já outros afirmam que a canção foi inspirada em uma foto feita pelo famoso fotógrafo inglês Roger Fenton. A imagem em questão é uma das mais populares do artista e chama-se “Shadow of The Valley of Death”. A foto foi concebida no local da guerra de Crimeia e registra a localidade onde a cavalaria britânica enfrentou os russos. Este local é o mesmo descrito no conhecido poema “Charge of The Light Brigade” de Alfred Lord Tennyson, poema este que serviu de inspiração para o Iron Maiden na famosa música “The Trooper”.

O fato é que não se pode afirmar com exatidão o contexto da faixa, até porque ele permeia até mesmo a versículos bíblicos, como no caso do trecho: “Into the valley of death fear no evil / We will go forward no matter the cost” (05:50), (dentro do vale da morte não tema nenhum mal, nós seguiremos em frente), que se assemelha e muito com o salmo 23:4: “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum, porque tu estás comigo”. Porém, em minha opinião, a canção é uma ótima junção de todas essas ideias, visto que a faixa traça seu caminho descrevendo o pecado humano e sua máxima, todas em contraponto a sentimentos diversos.
Tears of A Clown
Umas das melhores músicas do trabalho foi também uma das mais aguardadas, já que abertamente a banda afirmou se tratar, em parte, sobre o ator e comediante Robin Williams.
 A canção faz analogia em torno da depressão que assola muitos artistas que trabalham com humor. Por incrível que pareça, isso chega a ser “comum” no meio da comédia, tanto que existem psicólogos especializados exclusivamente neste assunto. Aparentemente existe uma relação entre uma suposta felicidade e a profunda depressão, no caso, as risadas tornam-se um tipo de defesa contra os problemas corriqueiros da vida, escondendo através da “alegria” uma dor incalculável.
O ator Robin Williams, que dispensa apresentações, foi encontrado morto em sua casa, em Paradise Cay, Califórnia, no dia 11 de agosto de 2014, após cometer suicídio por asfixia. Segundo Mara Buxbaum (agente do ator), Williams estava sofrendo de uma depressão muito complicada.

“Tears of A Clown” (Lágrimas de Um Palhaço) faz menções diretas a Pierrot, personagem da Commedia dell’Arte, um palhaço triste que é apaixonado pela Colombina, esta que lhe parte o coração ficando com o Arlequim. Pierrot, que na verdade é uma variação francesa do Pedrolino italiano, é comumente representado usando roupas largas e brancas, por vezes metade pretas, rosto branco e uma lágrima desenhada abaixo dos olhos, uma de suas características latentes é a ingenuidade.

The Man of Sorrows
Quando vivemos “mecanicamente”, onde todo o nosso esforço está no trabalho, problemas diários, contas e todos os empecilhos que a sociedade vorás impõem, acabamos deixamos nossos sonhos pessoais passarem em branco, como se “jogássemos pedrinhas na maré do oceano” (00:49), abrindo assim, um parêntese para sermos homens amargurados.
“The Man of Sorrows” traz de forma peculiar este questionamento e propõem que ao observarmos nossos erros. Ao observar o homem de amarguras, podemos perceber “através da névoa da verdade” (01:30), aquilo que por muito tempo julgamos ser apenas ilusão.
Empire of The Clouds
A faixa de encerramento do álbum não poderia ser mais grandiosa, “Empire of The Clouds” é simplesmente épica. A canção composta no piano por Bruce Dickinson relata de forma magnífica os acontecimentos reais ocorridos com o dirigível R-101.
O dirigível R-101 foi construído no final da década de 20. Coberto pela relva da grandeza, ele representava o orgulho do império britânico.
A aeronave era a maior embarcação rígida já construída, com exorbitantes 220 metros de comprimento. Foi desenhada para que seus tripulantes tivessem o maior conforto e luxo possível, o papel principal do R-101 era fazer viagens distantes, para Índia e Canadá, por exemplo.


Devido à diversas alterações no projeto original, a aeronave demonstrou ter problema de peso, e por mais que os engenheiros tentassem, nada foi resolvido, as inúmeras “soluções” acabavam por deixar a aeronave ainda mais pesada.
A pressão política sobre o ministro do ar, Lorde Christopher Thompson, era muito grande devido aos gastos. O fator político decidiu então que o R-101 faria seu voo inaugural durante a conferência imperial de 1930. A pressa fez com que testes em altas velocidades e condições climáticas desfavoráveis não fossem realizados com satisfação. Então em 04 de outubro de 1930 o R-101 faz seu primeiro (e último) voo com destino a Karashi.
A música começa neste ponto. Uma linda melodia enche os ares com uma calmaria quase que poética, descrevendo perfeitamente o clima calmo daquela manhã de 1930:
Para cavalgar a tempestade, para um império nas nuvensPara cavalgar a tempestade, eles subiram a bordo de seu fantasma prateadoPara cavalgar a tempestade, para um reino que viráPara cavalgar a tempestade, e dane-se o resto… esquecimento
Bruce recita um canto majestoso, como se o próprio céu se curvasse a grandeza daquela aeronave. Então a próxima linha musical desenha seu enredo narrando o voo e seus tripulantes, estes que celebravam a viagem e riam diante a possibilidade da aeronave cair: “uma em um milhão” ironizava a realeza, para a Índia o “tapete mágico” deveria seguir:
Realeza e dignitários, Brandy e charutosGigante Dama Cinzenta dos CéusVocê os acolhe a todos em seus braçosA milionésima chance, eles riramDe derrubar o dirigível de Sua Majestade‘Para a Índia’, eles dizem, ‘Tapete mágico, vá voando’Em um funesto dia de OutubroA névoa nas árvoresAs pedras suam com o orvalhoO nascer do sol, vermelho antes do azulPendurado no mastroEsperando pelo comandoA aeronave de Sua MajestadeO R-101
A música vai ganhando peso e um clima carregado e preocupante. As guitarras e bateria tecem climas mais densos. Ao ponto que enaltece o gigante no ar Bruce recita e antecede a fúria que estava por vir:
É a maior embarcação feita pelo homemUm gigante dos céusPara todos os incrédulosO Titanic cabe dentroRufem os tambores, apertem sua pele de lonaPrateada no solNunca testada com a fúriaCom a surra que estava por virA fúria que estava por vir
O peso toma conta, como se o peso excessivo do próprio R-101 descrevesse sua história, relembrando com perfeição da tempestade vista a oeste, lamentando pelo ego da tripulação que decide prosseguir mesmo desconhecendo seu “calcanhar de Aquiles”. A força política era gigantesca, medido centímetro a centímetro com a própria marca da aeronave. Porém o destino fazia ali sua alquimia.
Reunidos na penumbraUma tempestade se levantando a oesteO timoneiro observouEm seu equipamento de previsão do tempoTemos que ir agoraTemos que arriscar nossa chance com o destinoTemos que ir agoraPor um político, ele não pode se atrasarA tripulação da nave, acordada por trinta horas de trabalho seguidoMas a nave está em seu sangue, cada músculo, cada polegadaEla nunca voou a toda velocidadeUm teste nunca realizadoSua frágil cobertura externaSeu Aquiles se tornariaUm Aquiles que ainda viriaMarinheiros do céu, uma guarnição endurecidaLeais ao rei, e ao credo de uma aeronaveOs motores batemO telegrafo soaSoltem as cordasQue nos prendem ao chão
Com uma expressão quase que teatral, Bruce encarna o timoneiro como se vivesse através dos olhos do mesmo. Uma parte linda e histórica perfeitamente destrinchada. Uma poesia em forma de música:
Disse o timoneiro ‘senhor, ela é pesada’‘Ela nunca fará este voo’Disse o capitão ‘dane-se a carga’‘Seguiremos nosso caminho esta noite’As pessoas em terra exclamaram, maravilhadasEnquanto ela se afastava do mastroBatizando-se em sua águaDe seu lastro, da frente para trásAgora, ela escorrega para dentro de nosso passado
A cadência toma conta dos acordes, deslizando junto ao primeiro voo do gigante, e é neste momento que o Iron Maiden genialmente, através das guitarras, baixo e bateria, exatamente aos 6:55 minutos reproduz um sinal de código Morse, S.O.S., alertando todos sobre o pedido de socorro dos tripulantes. ESPETACULAR!
Um riff lindo e climático é executado. Quase que se ouve os lamentos da guitarra, então mais uma vez o sinal de S.O.S. é reproduzido, e se transforma numa digitação que nos remete aos tempos áureos de “Hallowed Be Thy Name”. A música decorre e o turbilhão de problemas da aeronave é representado pelo instrumental, culminando no solo de Dave Murray.
A tensão volta com o riff pós-solo (que coisa linda). Neste momento é inevitável a queda do R-101, porém a cadência também parece representar a luta da tripulação para evitar a tragédia:
Lutando contra o vento enquanto ele te assolaSentindo os motores a diesel que te empurram para frenteVendo o canal abaixo de vocêMais e mais baixo dentro da noiteAs luzes estão passando abaixo de vocêO norte da França dormindo em suas camasA tempestade está rugindo ao seu redor‘Um milhão para uma’ é o que ele disse
Após cruzarem a costa inglesa, chegando ao norte a França (que por sinal era bem longe do ponto pretendido), chega-se a região de Beauvais, famosa pela péssima condição climática.
Um riff diferente quebra o clima. A orquestração é envolvente e carregada por uma cortina tragicamente estendida sobre o tema. Bruce continua narrando magistralmente o fato. Sua voz afiada parece comungar junto ao rasgo existente na aeronave, que inundada pela água da chuva, ceifa a vida de homens experientes:
O ceifador está parado ao seu ladoCom sua foice, corta até os ossosO pânico de tomar uma decisãoHomens experientes dormem em seus túmulosSua cobertura está rasgada, e ela está se afogandoA chuva está inundando o corpo da naveSangrando até a morte, e ela está caindoGás flutuador está se esgotando‘Estamos perdidos, companheiros’, veio o lamento
Neste ponto os pianos voltam a ressoar, agora com acordes de tristeza e tensão, até o cume em que Bruce recita versos dolorosos de perda:
Mergulhando numa curva, vindos do céuTrês mil cavalos silenciaram-seEnquanto a nave começava a morrerAs chamas para guiar seu caminhoAcesas no fimO Império das NuvensApenas cinzas em nosso passadoApenas cinzas, no final
Resumido a cinzas, pouco restou do R-101; apenas uma carcaça esparramada no norte da França. Era o fim da primeira era britânica de desenvolvimento de aeronaves, enterrando não somente um sonho, mas também 48 de seus 54 passageiros, incluindo oficiais de alto escalão e o ministro britânico do ar. A música se encerra com tristes frases poeticamente seguidos por um triste e real acontecimento:

Aqui jazem os sonhosEnquanto estou parado embaixo do solNa terra onde eles foram construídosE os motores realmente funcionaramPara a lua e para as estrelasAgora, o que foi que nós fizemos?Oh, os sonhadores podem ter morridoMas os sonhos continuam vivosOs sonhos continuam vivos – os sonhos continuam vivos
Bruce faz sua despedida entre os acordes finais da música. Sua voz amarga trasborda tristeza, porém resplandece em respeito ao R-101 e principalmente aos 48 mortos que fizeram história junto ao IMPÉRIO DAS NUVENS.
Agora uma sombra na colinaO anjo do lesteO Império das NuvensDescansa em pazE em um cemitério pequeno, na igrejaDeitados de frente para o mastroQuarenta e oito almasQue vieram a morrer na França.
Simplesmente incrível! Mais que uma música; uma obra de arte fora do comum! É indescritível o quão épica é essa canção! Vou encerrar essa análise temática com as frases de Bruce a respeito do R-101:

“Os sonhadores podem ter morrido, mas os sonhos continuam vivos”