domingo, 31 de julho de 2016

Iron Maiden: a influência de Umberto Eco na canção “Sign of The Cross"


Recentemente o mundo da literatura ficou de luto devido à morte do grandioso escritor e pensador Umberto Eco, aos 84 anos. Eco, que nasceu em Alexandria, na Itália, foi uma das principais referências no estudo da semiótica, além de ter escrito vários romances aclamados pela crítica especializada – “Pêndulo de Foucault”, “A Ilha do Dia Anterior”, “Baudolino” e “O Nome da Rosa” entre eles.


Claro que um escritor deste calibre não poderia deixar de influenciar a música pesada. Um exemplo é a canção “Sign of The Cross” do Iron Maiden, que foi baseada na obra “O Nome da Rosa”, lançada em 1980.
O enredo se passa durante a Idade Média e gira em torno de investigações referentes a vários crimes cometidos dentro de uma abadia medieval. O frade franciscano Willian de Baskerville mais o noviço Adso de Melk são os responsáveis por estas investigações. Mesmo com uma forte resistência por parte de uns religiosos, os investigadores acabam descobrindo que a causa dos crimes são ligadas a existência de uma biblioteca que escondia obras apócrifas.

A música do Iron Maiden, referente a esta obra, abre o disco “The X Factor” de forma magnífica. “Sign of The Cross”, em seu tema inicial, traz cantos gregorianos nos remetendo aos monastérios da Idade Média. As primeiras frases cantadas por Blaze Bayley recitam de forma expressiva o ritual da “santa” inquisição, com onze homens, um após o outro, onde um à frente dos demais traz uma cruz levantada. Os homens estão ali para livrar o mundo de um pecador.
A letra não conta de forma narrativa a história do livro, mas sim faz um paralelo com ele. Num todo, o texto faz simples menções à obra de Umberto Eco, como por exemplo, no refrão, onde é cantada a frase “O sinal da cruz, O NOME DA ROSA, um fogo no céu, o sinal da cruz”.

O mundo do Heavy Metal sempre foi ligado à literatura mundial, e “Sign of The Cross” é apenas um dos inúmeros exemplos. Sendo assim, a morte de Umberto Eco também foi uma grande perda para nós, amantes do Heavy Metal, visto que nossa cultura sempre andou de mãos dadas com escritores deste porte.





Manowar: mitologia e música através da faixa “Achilles, Agony and Ecstasy In Eight Parts”


O Manowar lançou em 29 de setembro de 1992 seu sétimo álbum de estúdio, intitulado “The Triumph of Steel”. O álbum é uma verdadeira obra de arte que carrega músicas pesadas e de cunho grandioso. Ele, que traz em sua formação David Shankle e Rhino, dispõe de uma música “homérica” com mais de 28 minutos chamada “Achilles, Agony and Ecstasy In Eight Parts”, na qual falarei um pouco agora.
A música é dividida em oito partes (assim como sugere o nome), e é uma verdadeira aula de interpretação que discorre sobre a história mitológica de Aquiles, o guerreiro “Invulnerável”.
Aquiles era filho da ninfa Tétis e do rei dos mermidões, Peleu, e teve sua formação e treinamento junto a Quíron, o centauro, este que já teve como aprendizes, Hércules, Aristeu, Ajax e Teseu.


Sobre a “invulnerabilidade” de Aquiles, existem duas lendas referentes ao assunto. A primeira diz que Tétis, por não aceitar de forma alguma ter um filho mortal, colocou seu filho, ainda bebê, num poço com chamas mágicas. Segundo a lenda, essas chamas poderiam transformar qualquer humano em imortal. A métrica consistia em colocar diariamente uma parte diferente do corpo de Aquiles sobre as chamas, porém, quando faltavam apenas os calcanhares, Peleu viu a cena e tomou o menino das mãos de Tétis, fugindo com ele. Peleu julgou a cena como sendo uma tentativa de assassinato.  A segunda versão conta que Tétis tentava banhar Aquiles nas águas sagradas do Rio Estige, segurando o bebê apenas pelos calcanhares, porém, da mesma forma que a primeira versão, Peleu apareceu e levou a criança. Isso fez com que o Aquiles ficasse invulnerável, com exceção claro, de seu calcanhar.


Aquiles teve ligação direta na batalha entre gregos e troianos. Tudo começou quando a instabilidade politica na região tornou-se intensa. A guerra por si só era apenas uma questão de tempo. Para que isso acontecesse, faltava apenas um motivo relevante, e foi então que uma disputa entre as deusas, Afrodite, Atena e Hera serviu de estopim. As deusas queriam saber qual delas era a mais bela, então escolheram Páris como juiz, príncipe de Troia. Afrodite foi a vencedora do concurso após ter prometido a Páris a mulher mais bela do mundo, e para cumprir sua promessa, raptou Helena, a esposa do rei da temida Esparta, Menelau.
Troia, que era governada pelo rei Priamo e seus dois filhos Páris e Heitor, entrou em estado de alerta, já que após esse sequestro, a guerra contra Troia era inevitável.
Após algumas recusas por parte de Aquiles e de sua mãe referente a sua participação na guerra, uma conversa com o príncipe Ulisses acaba convencendo o guerreiro de lutar juntos aos Gregos.
Após meses de grandiosas vitorias onde Aquiles com poucos soldados aniquilava muitas cidades, territórios e bases militares dos troianos, uma desavença com Agamenon, rei de Micenas, faz com que Aquiles abandone os campos de batalha, o que deu uma extrema vantagem aos troianos.
Com as tropas gregas à beira da completa destruição, Pátroclo, que era o melhor amigo de Aquiles, decide liderar os mirmidões na batalha fingindo ser o próprio Aquiles, para isso ele vestiu a armadura e usou o carro de batalha de seu amigo. Pátroclo conseguiu expulsar os troianos das praias ocupadas pelos gregos, porém acabou sendo morto por Heitor.
Quando Aquiles sente falta de sua armadura, acaba descobrindo que seu melhor amigo foi morto por Heitor, então, para vingar a morte de Pátroco Aquiles volta a lutar contra os troianos, porém, agora para dar um basta definitivo na guerra.
A música do Manowar é referente a esta vingança de Aquiles, e sua crucial batalha contra Heitor:
Aquiles vai sozinho até as muralhas de Troia e desafia Heitor. Uma luta árdua é travada! Contudo, Aquiles, que carregava muito ódio em seu coração, atravessa uma lança na garganta de Heitor que morre na hora. Não satisfeito, amarra o corpo de Heitor em seu carro e arrasta o defunto durante nove dias pelos campos de batalha.

A música descreve poeticamente esse trecho da historia, dividindo em oito partes os acontecimentos:
“Prelude”
I. “Hector Storms The Wall” (HEITOR ASSALTA A MURALHA)
II. “The Death of Patroclus” (A MORTE DE PATROCLUS)
III. “Funeral March” (MARCHA FUNERÁRIA)
IV. “Armor of The Gods” (ARMADURA DOS DEUSES)
V. “Hector’s Final Hour” (A HORA FINAL DE HEITOR)
VI. “Death Hector’s Reward” (A RECOMPENSA DA MORTE DE HEITOR)
VII. “The Desecration of Hector’s Body (Pt. 1, Pt. 2)” (A PROFANAÇÃO DO CORPO DE HEITOR)
VIII. “The Glory of Achilles” ? (A GLORIA DE AQUILES)
Todas as oito partes são espetaculares, tanto em expressão quanto em execução. Dessas oito, três são instrumentais, no qual inclui solos de bateria e baixo.
Logo após a morte de Heitor, os gregos criam um plano para adentrar as muralhas de Troia. Construíram um gigante cavalo de madeira e deram como presente de paz para os troianos. O cavalo foi então posto pra dentro do reino, e quando a noite chegou, vários gregos saíram de dentro do cavalo, pegando todos de Troia adormecidos. Assim, abriram os portões para que mais soldados entrassem.

Os gregos, com esse golpe de inteligência, transformaram troia em um berço de sangue, vencendo a guerra. Todavia, nos últimos minutos do conflito, Páris atinge um flecha envenenada em um dos calcanhares de Aquiles, o que fez o lendário guerreiro morrer lentamente.


Por causa do conteúdo lírico contido na música do Manowar, a canção acabou atraindo a atenção de um grupo de pesquisadores da Universidade de Bolonha, na Itália. A professora de História Clássica Eleonora Cavallini escreveu o seguinte sobre a canção:
“A letra de Joey DeMaio implica numa cuidadosa e escrupulosa leitura da Ilíada. O compositor focou sua atenção especialmente na batalha crucial entre Heitor e Aquiles, e parafraseou algumas passagens do poema para uma estrutura melódica com certa fluência e parcialmente reinterpretando-a, mas nunca alterando ou distorcendo a história de Homero. O propósito da letra (e também da música) é evocar as características de alguns cenários homéricos: a tempestuosidade da batalha, a barbárie, a feroz exultação do vencedor, a tristeza e a angústia do lutador que pressente a morte sobre ele. Toda a ação se dá sobre Heitor e Aquiles, que são representados como personagens opostos, divididos por um ódio irascível e ainda assim unidos por um destino em comum. Ambos são retratados no momento da maior exaltação, enquanto regozijam sobre o sangue dos inimigos mortos, mas também de mais extrema dor, quando o demônio da guerra finalmente se apossa deles. Mais além, diferentemente do irreverente e iconoclasta Troia, a canção tem o divino como algo sempre presente, determinando os destinos dos humanos com ferocidade inescrutável, e apesar da referência genérica aos “deuses”, o verdadeiro mestre das vidas humanas é Zeus, o único deus ao qual tanto Heitor quanto Aquiles direcionam suas preces”.
— Eleonora Cavallini






Pink Floyd: a relação entre “Animal” e a obra de George Orwell


O Pink Floyd sempre bebeu do rio furtivo da filosofia. Músicas complexas e profundas são expressadas com mãos poéticas pela banda. Dinheiro, ambição, guerra, egoísmo, loucura e política são uns dos temas abordados de forma contundente pelos músicos.
Claro que, para isso, as bases literárias formam o alicerce de seus incríveis álbuns. Um exemplo é o disco “Animal”, de 1977, que foi totalmente inspirado pela obra do escritor George Orwell “Animal Farm”, publicada em 1945.
O livro de George Orwell retrata de forma “alegórica” uma revolução provinda dos animais de uma fazenda. A revolução é arquitetada por um velho porco chamado Major. A intenção do Major era que os animais fossem governados por eles próprios e não pelos humanos que os exploravam. Após a morte do Major, os porcos Napoleão e Bola-de-Neve tomam frente da revolução e expulsam os proprietários da fazenda. A partir daí, os animais passam por um período de prosperidade e bonança, porém, com a ajuda de seu “braço-direito”, Garganta, Napoleão faz acusações sobre a administração de Bola-de-Neve e com a ajuda de nove cachorros o expulsa da fazenda.
Com o comando da fazenda em suas “patas”, Napoleão começa a exercer um pesado regime de produção, explorando ainda mais os animas, tudo em troca de poucas quantidades de ração. Napoleão então passa a morar na residência dos ex- proprietário, estabelece comércio com os agricultores da região e, numa atitude bizarra, começa a andar em duas patas, fato que faz com que os outros animais não mais consigam diferenciar os porcos dos humanos.
O enredo e principalmente os personagens de a “Revolução dos Bichos” fazem um expressivo paralelo com grandes ícones da Revolução Russa de 1917.
Vamos a alguns deles:
Sr. Jones
O primeiro personagem que nos é apresentado é Sr. Jones. O fazendeiro dono da Granja do Solar é cruel com os animais, chicoteando-os e por vezes, deixando os com fome. Assim, como o último czar russo, Nicolau II. O czar foi considerado um líder anêmico e brutal com seus opositores.
Major
Ao cair da noite na fazenda, uma reunião dos bichos acontece e surge então o porco Major. Premiado e respeitado por todos os bichos, o velho porco expressa seus desejos de dias melhores para todos os animais e explica o animalismo para os animais. Major dizia que os animais trabalhavam e os humanos quem gozavam dos benefícios desse trabalho. Por isso, o porco incita uma revolta para que todos os “trabalhadores” possam ter uma vida melhor. Major apresenta um discurso alusivo de Karl Marx e o socialismo científico. Além disso, lembra Lênin, o idealista do início da Revolução Russa.
Bola-de-Neve
Como Major morre antes da revolta acontecer, dois porcos tomam a frente: Napoleão e Bola-de-Neve. Bola-de-Neve é, assim como Major, idealista e inteligente. Este pode ser comparado a Trotski, um dos líderes da Revolução de Outubro, que seguia a risca os ensinamentos de Marx.
Napoleão
De caráter bem mais agressivo e egoísta, não era tão inteligente ou bom orador como Bola-de-Neve e, por isso, arma um golpe com ajuda de nove cachorros ferozes. Obriga Bola-de-Neve a se exilar e, à custa de muita propaganda, transforma-o em inimigo da Granja dos Bichos. Napoleão é uma representação de Stalin: não seguia os ideais socialistas – sua ambição pelo poder lhe fez corrupto. Usou a KGB/cães, além de permitir a volta da igreja ortodoxa/Moisés, para manter o povo sob controle.
Garganta
Napoleão, assim como Stalin, usou do culto a personalidade para se afirmar no poder. Por não ser bom orador, usou da figura de Garganta para convencer os animais que Napoleão era um líder bondoso e corajoso. Sem ética alguma, Garganta manipulou os mandamentos do animalismo para beneficiar Napoleão, se aproveitando que grande parte dos bichos era analfabeta. Garganta representa o departamento de propaganda de Stalin que durante o governo, usou de mentiras para manter a imagem de líder.
Cachorros
Além de Garganta, o controle é mantido com o uso de cachorros. Esses eram responsáveis de oprimir os oponentes de Napoleão. Assim como a KGB, a polícia secreta de Stalin, utilizavam da força bruta para controlar o povo e eram totalmente leais ao governante.
Bichos:
Sansão, cavalo forte e trabalhador, se mantém fiel a Napoleão sem questionar e no fim, se vê traído por ele. As ovelhas, que repetem, sem entender, os lemas e canções em ode a Napoleão.As galinhas, que não se concentram em nada. E Benjamin, o burro sábio que suspeitava da Revolução e garantia que nada iria mudar.
Fonte da descrição dos personagens: Clara Rodrigues – estudante de Jornalismo do 5º período da PUC-Rio.
No álbum, o enredo se desdobra através de cinco músicas: “Pigs On The Wing – Part 1”, “Dogs”, “Pigs (Three Different Ones)”, “Sheep” e “Pigs On The Wing – Part 2”.
Apesar de ser abertamente baseado no livro de Orwell, o álbum não se prende a ele. Não usa o enredo literalmente e sim faz um paralelo com ele. Waters expressa de forma genial seu escarro contra a sociedade capitalista e seus dominadores, estes que oprimem os menos capacitados.
Em “Pigs On The Wings Part 1”, Waters faz uma “previsão”. Caso não se importasse com sua esposa (Caroline), e vice-versa, os dois por consequência viveriam no absoluto tédio e dor, onde apenas observariam a porcos voando.
Na próxima canção “Dogs”, Waters usa o animal para descrever os burgueses, logo de cara Gilmour dá conselhos a um homem sobre o mundo dos negócios, ali em forma de metáfora, ele acaba comparando o sujeito com um cachorro.
Assim como no livro, Waters usa na música “Pigs (Three Different Ones)” a ideia de que porcos dominam os outros animais. Sendo assim, ele elege três tipos de porcos. O primeiro porco representa o homem capitalista, o segundo porco representa Margareth Thatcher. Em 1977 (ano de lançamento do álbum), Thatcher era líder do Partido Conservador do Reino Unido. O terceiro porco é Mary Whitehouse. Mary foi uma ativista britânica conservadora e extremamente cristã que defendia a censura de material que contivesse cenas de sexo, violência e qualquer coisa ligada a grupos sociais referente as causas homossexuais.
As ovelhas sempre foram usadas como símbolo de submissão por parte de alguns pensadores. Waters também usou essa representação na música “Sheep”, os termos “submisso” e “obediente” são expostos sem pautas na música. Uma parte interessante gira em torno do salmo 23 da Bíblia; o trecho é uma clara crítica à Igreja pela forma cujo a qual  usa a religiosidade para criar submissão.
O desfecho do álbum “Pigs On The Wings – Part 2” tem os mesmos padrões da primeira parte, porém, nessa música, Waters afirma saber que sua esposa se importa com ele e ele por ela, portanto, nunca se sentirá sozinho. O contexto demostra ele como um cachorro, se sentindo seguro pois sabe que pode esconder seu osso num abrigo contra porcos.
“Animals” é um disco fantástico que carrega algo mais que músicas, despejando de modo ácido críticas, história e política. Se nunca ouviu o álbum ou mesmo nunca leu “A Revolução dos Bichos”, fica a dica, pois álbuns assim transformam o Rock em algo único dentro da arte.